Embora siga em patamar baixo, a média móvel de mortes por Covid-19 no Brasil chegou ao quarto dia seguido em alta nesta segunda-feira, com um aumento de 24% em relação ao número de duas semanas atrás. Ao todo, cinco estados estavam com tendência de alta nos óbitos pela doença. Já os casos seguem uma tendência de estabilidade a nível nacional, o que pode ser reflexo de uma subnotificação pela redução de testes, afirmam especialistas ouvidos pelo GLOBO.
Eles recebem com cautela o cenário epidemiológico atual do país, mas acreditam não ser um sinal de alerta ainda e chamam a atenção para a importância de se ampliar a baixa cobertura vacinal com a dose de reforço, que hoje está em cerca de 40% da população.
Entre os estados, o Rio de Janeiro é o maior responsável pela alta de mortes, com um aumento de 278%. Em seguida, estão Goiás, com um número 50% maior de óbitos, Pará, de 25%, Minas Gerais, de 18%, e São Paulo, com o índice 15% superior. Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rondônia, Roraima e Paraíba, que estavam com uma média de zero mortes, voltaram a contabilizar um óbito por dia.
O crescimento no estado fluminense, no entanto, é também resultado de uma atualização tardia no número geral de óbitos. O estado registrou 85 mortes a mais na última quarta-feira referentes a 2020, que não haviam sido notificadas ainda e estavam sob análise. Como a contagem é realizada pela data de inserção no sistema, esses números afetam a média móvel atual, embora não tenham ocorrido neste momento.
"A gente teve também dois feriados importantes nas últimas duas semanas, então pode haver um represamento de dados que somente agora são registrados. Precisamos esperar ainda duas semanas para confirmar se esse aumento é real. Se for, pode ser um repique pontual associado às flexibilizações, mas acredito que, se não tivermos novas variantes, a tendência é que não aconteça uma retomada da tendência de alta", afirma o infectologista Julio Croda, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Para Pedro Hallal, epidemiologista da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), o aumento das mortes deve sim ser encarado como uma realidade, mas ele destaca que, em baixos índices, uma variação pequena já provoca grandes aumentos, e defende que ainda não é motivo para desespero ou para mudanças nas estratégias em vigor.
"É um aumento que devemos olhar com cautela. Quando a gente está com uma média móvel baixa, como a de hoje, qualquer variação, mesmo que pequena, pode causar um aumento percentual grande, mas não é nada para nos desesperarmos. É provavelmente um efeito da retirada das máscaras nos ambientes fechados, das festas. Esse relaxamento das medidas é necessário, e traz variações nos números, mas nada como a situação desesperadora que vivemos lá trás. O importante agora é intensificarmos a vacinação com a dose de reforço" , defende Hallal.
Casos em estabilidade
Ainda que as mortes estejam com um leve aumento, o país segue com o número de casos em estabilidade, até mesmo em estados que vivem um crescimento na contagem de óbitos. Para a epidemiologista Ethel Maciel, professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), isso pode ser explicado por uma queda na testagem entre pessoas sintomáticas, o que mascara o aumento de diagnósticos, mas faz com que o vírus permaneça em alta circulação e, eventualmente, contamine os mais vulneráveis.
"Com toda essa narrativa de fim da pandemia, as pessoas não estão mais fazendo os testes. A gente está numa situação semelhante à do início da pandemia, quando não tínhamos como fazer muitos diagnósticos e víamos um aumento no número de óbitos e internações antes do aumento no número de casos. Só que hoje temos testes, as pessoas que não estão fazendo", diz a especialista.
Como O GLOBO mostrou na semana passada, um levantamento da Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma) identificou uma redução de 81% na quantidade de testes realizados em farmácias e drogarias do país entre janeiro e março. No entanto, os poucos testes realizados tiveram um aumento de 28% na taxa de resultados positivos entre a última semana de março e o meio de abril. Nos laboratórios do grupo Fleury, esse aumento foi de mais de 150%.
Mesmo com estabilidade em âmbito nacional, alguns estados já registram alta no número de casos oficiais. É o caso do Maranhão, com 40% mais casos, Pará com aumento de 48%; Paraná, de 67%; Rio Grande do Sul, de 19%; Minas Gerais; 18%; Rio de Janeiro, de 70%; Alagoas, de 27%; Amapá, de 100%, e Amazonas com 63% mais diagnósticos.
Para a epidemiologista e vice-presidente do Sabin Vaccine Institute, Denise Garrett, os casos são mascarados também pelos testes rápidos, que não obrigam o registro do resultado. Ela acredita que esse aumento nos indicadores pode estar relacionado a novas sublinhagens da Ômicron.
"Estamos vendo um aumento de hospitalizações e mortes em vários países, e não me surpreende que o mesmo já esteja acontecendo no Brasil. Isso se deve em parte pelo aumento da transmissão causado pelas novas subvariantes", afirma Denise.
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É o caso da BA.2 que em dois meses se tornou prevalente no país. Segundo um levantamento do Instituto Todos pela Saúde (ITpS), de amostras coletadas pelos laboratórios Dasa e DB Molecular, a sublinhagem foi identificada em 84,3% dos casos de Covid-19 diagnosticados entre os dias 17 e 23 de abril.
Vacinação com reforços não decolou
Embora o aumento na média móvel de óbitos, os números seguem em patamares considerados baixos. No pico da variante Ômicron, em fevereiro, esse indicador chegou a ultrapassar mil mortes no país por dia, e hoje está em 126. Na pior fase da pandemia até agora, em abril de 2021, eram contabilizados mais de 3 mil óbitos diariamente.
Ainda assim, para a doutora em saúde pública Isabel Leite, pesquisadora da Universidade Federal de juiz de Fora (UFJF), a mudança deve servir como um alerta para que se intensifique cobertura vacinal com as doses de reforço, que está baixa no país.
"Nós temos uma população que aderiu bem às primeiras doses da vacina, mas com uma baixa cobertura nas doses de reforço e na imunização do público infantil. Isso tudo justifica esse aumento no número de óbitos, especialmente entre os acima de 80 anos", afirma Isabel.
Ethel, da Ufes, concorda e lembra que muitas pessoas já têm cerca de seis meses desde a última aplicação da vacina, período em que há uma queda comprovada na imunidade. Um estudo publicado recentemente na revista científica The Lancet Respiratory Medicine mostrou ainda que a terceira dose da vacina da Pfizer eleva a 85% a proteção contra hospitalização pela variante Ômicron, mas que essa eficácia, no entanto, cai após três meses para 55%.
"A maioria das mortes é entre pessoas acima de 70 anos sem a dose de reforço ou entre os não vacinados, mas também há muitos casos que receberam o reforço há mais de 6 meses", afirma a intensivista e professora de cardiologia do Hospital das Clínicas, em São Paulo, Ludhmila Hajjar, médica da Rede D'Or.
O segundo reforço, ou quarta dose, é recomendado pelo Ministério da Saúde para idosos com mais de 70 anos e imunossuprimidos. Em alguns estados, esse público é estendido para todos acima de 60 anos e profissionais da saúde, ampliação considerada positiva pelo infectologista Julio Croda.
Para ele, o ideal seria atingir um percentual de 90% da população acima de 18 anos com a terceira dose, e 90% do público-alvo da quarta aplicação com o imunizante. Porém, segundo dados do Ministério da Saúde, nem 40% dos brasileiros recebeu o primeiro reforço e nem 1% a quarta dose.
"A gente diminuiu nossa taxa de vacinação com a dose de reforço, então estamos imunizando menos pessoas por dia. Mas precisamos continuar com a campanha para se proteger especialmente contra novas variantes", afirma Croda.
Isabel, da UFJF, ressalta ainda que estamos entrando em um período tradicionalmente mais propício para a contaminação por vírus transmitidos pelas vias respiratórias.
"Também não podemos esquecer que no próximo mês começa o inverno, um período naturalmente mais intenso na circulação de vírus respiratórios e de aglomerações em locais fechados. Enquanto as pessoas deixarem de se vacinar, de se testar quando estão com sintomas, o vírus vai continuar circulando", explica a especialista.
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