A fome oculta não está associada à quantidade de comida consumida e sim à qualidade do alimento
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A fome oculta não está associada à quantidade de comida consumida e sim à qualidade do alimento

Já ouviu falar da fome oculta? Talvez sim, talvez não, mas o fato é que se trata de um problema grave, que afeta pelo menos dois bilhões de pessoas no mundo, especialmente as mais vulneráveis. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), uma em cada quatro crianças sofre com essa condição, que está relacionada a uma deficiência de micronutrientes. 

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Causada por uma insuficiência alimentar, a fome oculta pode provocar problemas sérios no desenvolvimento saudável da criança, uma vez que está caracterizada pela ausência de vitaminas e minerais e, conforme explica a OMS, acaba provocando uma necessidade não explícita de um ou mais micronutrientes essenciais para o bom funcionamento do organismo, facilitando a predisposição para doenças como diabetes, hipertensão e colesterol alto.

Porém, diferente da desnutrição comum, em que a criança apresenta uma série de sinais físicos, como a perda de peso, dificuldade no crescimento e fraqueza, essa condição não necessariamente está associada a esses sintomas.

Ela pode, inclusive, estar presente em uma criança obesa, já que se caracteriza pela qualidade da alimentação, e não pela quantidade do alimento consumido, conforme explica a pediatra com capacitação em nutrologia clínica Renata Rodrigues Aniceto.

“É uma doença que a gente não vê. A criança pode estar com o peso adequado, crescimento adequado, mas não tem a quantidade de nutrientes necessários por falta de uma dieta balanceada”, explica Renata.

Segundo uma pesquisa realizada pelo Instituto Pensi (Pesquisa e Ensino em Saúde Infantil), ao avaliar pré-escolares de creches públicas e privadas em todo o Brasil, um terço das crianças apresentou excesso de peso. Porém, ao analisar como era a  alimentação desses alunos, foi constatado que quase todas as crianças apresentavam ingestão deficiente de vitaminas A, C, D e E, além de cálcio e ferro.

“Dá para entender este problema, quando vemos que estamos ingerindo pouquíssimas frutas, verduras e legumes. Além disso, verificamos que, a partir do quarto ano de vida, o consumo de lácteos (leite e derivados), está cada vez menor e isso pode afetar o crescimento, o desenvolvimento dentário e, no futuro, determinar a osteoporose”, explicou o pediatra e nutrologo Mauro Fisberg, coordenador do Centro de Dificuldades Alimentares do Instituto Pensi-Hospital Infantil Sabara.

Silenciosa, a deficiência pode dar alguns sinais, mas, de acordo com Renata, o ideal para um diagnóstico certeiro é o acompanhamento com pediatra regularmente. “Em alguns casos o paciente apresenta palidez cutânea, que é a principal característica da deficiência de micronutrientes , mas, no geral, é preciso realizar alguns exames físicos no próprio consultório, fazer uma boa investigação sobre o histórico da criança e, então, partir para exames de sangue, para investigar o estoque de ferro, cálcio, vitaminas D e A, complexo B e B12, zinco e selênio”, destacou.

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Infância

A falta de alimentos frescos, como frutas, verduras e legumes, pode causar a deficiência de micronutrientes
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A falta de alimentos frescos, como frutas, verduras e legumes, pode causar a deficiência de micronutrientes

São nos primeiro anos de vida que os processos metabólicos começam agir para desenvolver o sistema imunológico da criança. Por ser essa a fase mais importante para prepará-la mental e fisicamente é que a condição é mais comum.

“A doença não costuma atingir os adultos porque é na infância que o corpo tem mais necessidades de vitaminas e minerais para possibilitar o crescimento e ganho de peso. É nesse período que a parte cognitiva está acelerada, há mais atividade motora, e a demanda por micronutrientes é maior”, explica a pediatra.

Sem contar a enorme quantidade de crianças que passam fome ao redor do mundo – só no Brasil, estima-se que sete milhões de pessoas estejam nesta condição -, há ainda a dificuldade de proporcionar uma boa alimentação os pequenos que vai além das questões socioeconômicas.

“Não há nada que faça meu filho comer bem. Como ele fica muito tempo na creche, não consigo participar desse processo durante a semana, e no fim de semana sinto que é tão difícil fazê-lo comer frutas e legumes que acabo desistindo e cedendo aos doces e salgadinhos”, confessa a recepcionista Miriam Camargo, de 26 anos, mãe do Matheus, de cinco anos.

Segundo os especialistas, esse comportamento não é exclusividade dos dois, porém, os pais precisam ficar atentos já que a diminuição de apetite das crianças também pode ser um sinal da condição.  “Além disso, a doença pode causar anemia e déficit intelectual, capazes de afetar o desempenho escolar das crianças significativamente”, ressalta Renata.

Entre outros problemas que afetam o crescimento sadio dos pequenos, a fome oculta também pode ser um agravante de várias outras enfermidades, como doenças cardiovasculares, diabetes, hipertensão arterial, obesidade, osteoporose e até mesmo alguns tipos de câncer.

Tratamento

Renata ressalta que, antes de pensar em tratamento, o ideal é fazer sempre a prevenção. “Se você perceber que seu filho não está tendo uma alimentação adequada, o ideal é procurar uma orientação nutricional para entender quais são as dificuldades da criança, que irá investigar o que ela não gosta e o que aceita para, então, fazer as recomendações de acordo com cada caso sobre como os pais devem agir”, recomenda a médica.

Porém, se a criança já for diagnosticada com a doença, além de melhorar a qualidade e diversificação dos alimentos consumidos, como a inclusão de frutas, verduras e legumes, é preciso entrar com uma suplementação vitamínica para que a recuperação seja mais eficiente, conforme recomenda órgãos internacionais como o World Health Organization (WHO), Unicef e Food and Agriculture Organization (FAO).

Diferente do que muitos pais acreditam, esse tipo de suplemento não têm a função de fazer a criança ter fome, conforme alerta Renata. “Geralmente esse suporte é utilizado até a criança se alimentar melhor e melhorar da fome oculta, o que leva, em média, três meses. É importante dizer que a suplementação não é para abrir apetite, e sim para dar suporte nutricional, e sempre deve ser orientado por um médico pediatra.”

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