Uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM), prevista para ser publicada no Diário Oficial da União nesta semana, estabelece como procedimento experimental o uso de hidroxicloroquina (HCQ) e cloroquina em por meio de inalação no tratamento contra a Covid-19. Segundo o documento, tratamentos médicos baseados nessa abordagem só podem ser realizados por meio de protocolos de pesquisa aprovados pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep).
O texto afirma que a decisão foi após "o CFM se debruçar sobre aventada possibilidade de a apresentação inalada desses fármacos ser uma alternativa para reduzir o risco de eventos adversos e aumentar eficácia no tratamento contra a Covid-19".
Tratamento provocou morte em Manaus
Em fevereiro, uma mulher submetida a nebulização com hidroxicloroquina para trata a Covid-19 morreu em Manaus. A Secretaria Estadual de Saúde do Amazonas disse que a vítima, além de outra paciente que também fez a nebulização, assinaram um termo em que autorizavam o tratamento, como relatado em prontuário.
Em nota, a pasta afirmou que o método adotado pela médica não faz parte dos protocolos terapêuticos da maternidade Instituto da Mulher Dona Lindu, onde o procedimento foi feito, e nem de outra unidade da rede estadual de saúde, mesmo com o consentimento de pacientes ou de seus familiares.
“O procedimento tratou-se de um ato médico, de livre iniciativa da profissional, que não faz mais parte do quadro da maternidade, onde atuou por cinco dias", informava o documento.
CFM pode determinar o que é tratamento experimental, diz autarquia
O CFM ressaltou, no entanto, que a hidroxicloroquina para uso inalatório não é preconizada pela fabricante, não havendo na literatura nenhuma informação sobre a eficácia e segurança da medicação aplicada por essa via, assim como dados sobre sua farmacocinética e farmacodinâmica nessa situação.
“Essa forma de administração não caracteriza uso off label da medicação, sendo necessárias pesquisas que comprovem a eficácia e segurança da HCQ, assim como a dose a ser aplicada”, conclui a nota da autarquia.
No texto, o conselho destaca a lei 12.842/2013 — pela qual o CFM tem a competência legal de determinar o que é ou não é tratamento experimental no país — e o parecer 4/2020, que estabelece critérios e condições para a prescrição de cloroquina e de hidroxicloroquina em pacientes com diagnóstico confirmado de Covid-19. Pelo documento, fica delegado ao médico e ao paciente a autonomia de decidirem juntos qual a melhor conduta a ser adotada, desde que com o consentimento livre e esclarecido firmado por ambas as partes.
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O conselheiro Domingos Sávio, relator da resolução 2.292/2021, afirmou que a a autonomia do médico de prescrever o que julgar melhor para seu paciente é um dos pilares da medicina desde Hipócrates, mas alertou: "A simples dissolução de um comprimido de HCQ para produzir uma solução para inalação não deve ser considerada, em vista dos excipientes presentes no produto, que podem ser agressivos às vias aéreas, e da dificuldade de estabelecer as dosagens compatíveis com os limites da administração inalada”.
Sávio acrescentou que é obrigatório que substâncias presentes nesses medicamentos estejam listadas em bula: “As apresentações orais de hidroxicloroquina e cloroquina de diferentes fabricantes podem ter excipientes ( substâncias ) diferentes de uma lista de excipientes para medicamentos orais recomendada pelas agências reguladoras de medicamentos. É obrigatório que os excipientes estejam listados em bula, pois são de interesse dos alérgicos e diabéticos, por exemplo".
O CFM ressaltou na nota que pesquisas nos centros mais avançados do mundo tentam encontrar tratamento para frear a pandemia da Covid-19, tendo desenvolvido vacinas em tempo recorde, sem precedente na História, além de avanços importantes no tratamento dos doentes críticos, como a intubação (precoce X tardia), posição PRONA, uso de corticoides, anticoagulantes e bloqueadores neuromusculares, sob prescrição médica. Apesar disso, afirma que o uso da HCQ numa nova apresentação (inalada), sem registro anterior em nenhuma parte do mundo, acrescenta ainda incerteza ao tratamento, pois não tem garantida sua eficácia e segurança.
“A obtenção de nova apresentação medicamentosa para uso inalatório é um processo complexo, da competência de farmacêuticos especializados em técnica farmacêutica. Esse fato não pode ser ignorado pelo médico que pretende prescrever tal produto, pois se trata de procedimento experimental e está fora de sua competência responsabilizar-se pela qualidade, pureza e segurança de um produto experimental que foi processado por outro profissional de saúde”, cita o relator.
Abaixo-assinado pede condenação do tratamento precoce
Um abaixo-assinado com mais de 23,7 mil assinaturas pede que o Conselho Federal de Medicina (CFM) condene o tratamento precoce para a Covid-19, que recomenda o uso "off label" (medicamento usado para indicação não prevista em bula) de cloroquina e ivermectina, entre outros medicamentos do chamado "kit Covid".