Liberação de mosquitos infectados reduz casos de dengue em 77%, diz estudo
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Liberação de mosquitos infectados reduz casos de dengue em 77%, diz estudo

Casos de dengue tiveram uma redução de 77% em áreas nas quais foram liberados mosquitos Aedes aegypti infectados com a bactéria Wolbachia, aponta um estudo realizado na Indonésia. Também foi registrada uma redução de 86% nas hospitalizações pela doença.

O resultado foi publicado na revista científica The New England Journal of Medicine. O mesmo método também é utilizado no Brasil, em iniciativa conduzida pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

A técnica consiste em liberar mosquitos Aedes aegypti infectados com a Wolbachia para que se reproduzam e estabeleçam, ao longo do tempo, uma nova população do inseto, portadora da bactéria. Os mosquitos com a Wolbachia têm menos propensão a transmitir a dengue. As informações são do programa global World Mosquito Program (WMP), que lidera as iniciativas na Indonésia, no Brasil e em outros nove países.

"Os estudos para tirar a Wolbachia da mosca da fruta e colocar no ovo do Aedes aegypti começaram na Austrália, em 2005. Esse processo não tem transformação genética, é uma bactéria presente em cerca de 60% dos insetos.

Quando o mosquito tem a Wolbachia, acontece uma competição pelos componentes da célula, que ambos precisam, e os vírus não conseguem se replicar. Com isso, o mosquito não consegue transmiti-lo", afirma Luciano Moreira, pesquisador da Fiocruz e coordenador do WMP no Brasil.

Ele explica que a bactéria é transmitida da Aedes aegypti fêmea para 100% de seus descendentes. Quando o mosquito macho com a Wolbachia cruza com uma fêmea que não tem, ela fica estéril. Portanto, quando é feita a liberação desses mosquitos em um local, com o tempo é formada uma grande população desses insetos com a bactéria.

O novo estudo foi conduzido por pesquisadores da Universidade de Monash, na Austrália, Universidade de Gadjah Mada, na Indonésia, e da Universidade de Califórnia, nos Estados Unidos. São os primeiros dados de ensaio clínico publicados pelo WMP em uma revista científica.

O ensaio foi realizado na cidade de Yogyakarta, que foi dividida em 24 áreas. Metade recebeu mosquitos com a Wolbachia, entre março e dezembro de 2017, e a outra metade não. Os mosquitos com a bactéria se reproduziram, até que quase todos tivessem a Wolbachia.

Os pesquisadores, então, monitoraram os casos de dengue na cidade, e testaram o sangue de habitantes com sintomas que pudessem ser da doença, ao longo de 27 meses. Participaram 8.144 pessoas, com idades entre 3 e 45 anos, entre janeiro de 2018 e março de 2020.

Foram detectados 318 casos de dengue no local em que não houve liberação dos mosquitos com a bactéria, e 67 nas áreas com mosquitos com a Wolbachia. Além disso, foram registradas apenas 13 hospitalizações nas áreas nas quais o método foi implementado, contra 102 nas outras. Os dados também mostraram que a técnica funciona de forma similar para qualquer sorotipo da dengue.

"O resultado desse estudo é emocionante. Estamos entusiasmados com a possibilidade de Yogyakarta livre de dengue nos próximos anos, e as perspectivas são de usar a Wolbachia para controlar outras doenças, como a zika e chicungunha", afirmou a pesquisadora Katie Anders, diretora de avaliação de impacto do (WMP), em vídeo de divulgação.

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Veja animação sobre como foi feito o estudo na Indonésia:

Método Wolbachia no Brasil

Segundo dados do Ministério da Saúde, foram notificados no Brasil em 2021, até o dia 29 de maio, 348.508 casos prováveis de dengue. Em comparação com 2020, houve uma redução de 57,4% de casos registrados no mesmo período. "De acordo com o diagrama de controle, o país, até o momento, não enfrenta uma epidemia de dengue, pois os casos estão dentro do esperado para o período", informa o boletim epidemiológico mais recente da pasta.

O Ministério pondera que desde o início da pandemia da Covid-19 foi observada uma diminuição dos registros de casos prováveis e óbitos pela dengue, o que poderia ser consequência do receio da população em procurar atendimento em uma unidade de saúde, da subnotificação ou atraso nas notificações, ou da "mobilização das equipes de vigilância e assistência para o enfrentamento da pandemia".

No país, o chamado Método Wolbachia é conduzido pela Fiocruz, financiado pelo Ministério da Saúde e tem apoio de governos locais, secretarias de Saúde e Educação. O projeto também avalia o controle da zika e da chicungunha, além da dengue.

A implementação iniciou no Rio de Janeiro (RJ) e em Niterói (RJ), em 2014. Dados preliminares de Niterói apontam uma redução de até 77% dos casos de dengue e 60% de chicungunha nas áreas que receberam os Aedes aegypti com Wolbachia, em comparação com áreas que não receberam. O resultado deve ser publicado em breve em uma revista científica.

Nesses locais, o acompanhamento é feito por meio das notificações das doenças nos municípios. O projeto também está em expansão para Campo Grande (MS), Petrolina (PE) e Belo Horizonte (MG).

Na capital de Minas Gerais, no entanto, será realizado um estudo clínico randomizado controlado, similar ao conduzido na Indonésia. Esse tipo de ensaio é considerado "padrão ouro da epidemiologia", explica Moreira. Nesse caso, serão analisadas crianças, que têm menos chances de já ter tido contato com os vírus, durante quatro anos.

Moreira avalia que há uma subnotificação dos casos de dengue durante a pandemia e destaca que essa é uma doença que sempre esteve presente no país, causa mortes e "tende a ficar". O pesquisador ressalta que o Método Wolbachia é uma técnica complementar de controle, que deve ser usada em conjunto com outras.

"Seja o município usar inseticida de forma racional, ou se tiver vacina para essas doenças transmitidas por mosquito (existem estudos em andamento para desenvolver uma vacina, principalmente para dengue), isso pode ser utilizado junto com nosso método. Continua sendo importante que as pessoas continuem a tirar os criadouros, e tenham os cuidados que já conhecemos", explica o pesquisador.

Uma outra aposta de combate à dengue, zika e chicungunha presente no Brasil é da empresa Oxitec, que usa mosquitos geneticamente modificados para reduzir a população de Aedes aegypti. No ano passado, a Oxitec conseguiu aprovação da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) para lançar uma nova geração de mosquitos transgênicos.

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