Em março de 2020, sem a vacinação, a população idosa estava muito mais vulnerável à Covid-19. Em mais de um ano de pandemia no Brasil, e com o marco de 500 mil vidas perdidas, novos dados surgiram e mostram que os jovens também estão sujeitos a sintomas graves e até morrer pela doença. Beatriz Nemézio, 25, é enfermeira em um hospital privado de grande porte na cidade de São Paulo e notou de perto essa mudança.
De 14 a 17 de junho deste ano, crianças, jovens e adultos com menos de 60 anos representaram a maioria das mortes pela doença, segundo a Central de Informações do Registro Civil (CRC Nacional). Enquanto os óbitos entre pessoas idosas foi de 677, o da população com menos de 60 foi de 784.
Em um primeiro momento, Beatriz conta que observava mais casos graves entre os idosos que já tinham comorbidades, como hipertensão, diabetes e doenças respiratórias.
"Depois de todo este ano de pandemia, a gente viu que, a partir daquilo que chamamos de 'segunda onda', começaram a aparecer pessoas mais jovens e que não tinham fatores de risco", conta a enfermeira.
De fato, segundo dados CRC Nacional, no mesmo período de 2020, a maioria das mortes ocorria entre a população idosa -- 2.726, contra 427 óbitos de pessoas com menos de 60 anos.
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Beatriz relata que houve casos em que toda a família ficou internada no hospital na virada de 2020 para 2021. "Tinha a filha de 20 anos, a mãe, o pai, a irmã, a tia, enfim. (Pessoas) que comemoraram o Natal, Ano Novo e o próprio Carnaval", diz, revelando que estes pacientes jovens, contrariando o que "seria o esperado", começaram a desenvolver um quadro grave de Covid-19.
"Cheguei a cuidar de pacientes que, infelizmente, vieram à óbito com Covid-19, relativamente jovens, na faixa dos 40 anos". A profissional fala com pesar sobre as mortes e, principalmente, sobre como ocorreram as despedidas, que tiveram que ser feitas de longe, sem abraços ou toques.
"Esse contato entre familiares e paciente não foi presencial. Acredito que seja muito difícil não conseguir se despedir da forma como gostariam", conta Beatriz, que também não conseguia ter o manejo presencial com a família.
"Apesar de tudo, eu via uma preocupação grande [do hospital] em tentar humanizar o cuidado no meio disso. Tentar manter a família junto, mesmo que a distância. Acho que o luto foi muito diferente do que costuma ser no hospital, em que, quando sabíamos que o prognóstico era ruim, amigos e familiares vinham visitar, ver o corpo, participar deste momento.
Mas Beatriz não deixa de exaltar a vacinação que, em parte, fez com que a população mais velha escapasse de quadros graves e óbitos pela Covid-19. "Nesse meio tempo apareceu a vacina, conseguimos vacinar os idosos, então essa outra parte da população [os jovens] acabou ficando mais vulnerável nesse momento".
Não à toa, segundo um estudo liderado Universidade Federal de Pelotas (UFPel) em parceria com a Universidade Harvard, em 90 dias, as vacinas contra Covid-19 teriam salvado a vida de 43 mil idosos com mais de 70 anos no Brasil.
José Geraldo Leite, médico epidemiologista do Grupo Pardini, explica que houve um aumento de casos em todas as idades, mas que os imunizantes de fato impediram a morte de pessoas mais velhas. "Com a vacinação, começa a perceber-se uma diminuição da proporção dos maiores de 80 anos (um dos primeiros grupos a se vacinar no Brasil)".
Já Lucas Bifano, médico da família e comunidade especialista em gestão da saúde pública, explica que esse aumento dos casos em jovens é também resultado de um relaxamento com os cuidados.
"A pessoa voltou a se comportar como um jovem adulto, um jovem adolescente: ativo na sociedade que ainda sofre de uma pandemia. A partir do momento em que ela volta ser uma pessoa ativa socialmente, frequentando ambientes públicos, ela vai se contaminar, e correndo risco de ser uma forma grave e levar a óbito", conclui.