O cenário das taxas de ocupação de leitos de Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) para Covid-19 na rede pública do Brasil é o melhor desde o final de fevereiro. A maioria dos estados apresentou algum alívio nos índices em relação à semana passada, e em 12 deles a queda foi de pelo menos cinco pontos percentuais. No entanto, 14 estados e o Distrito Federal têm ocupação superior a 80%, nível considerado crítico. E a tendência é de alta nos casos, gerando risco de superlotação nos hospitais e aumento dos óbitos nas próximas semanas. As informações são do levantamento semanal do Observatório Covid-19 da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
O boletim completo, com mais detalhes, será divulgado hoje mais tarde pela Fiocruz. Especialistas avaliam que o quadro de menor sobrecarga nos hospitais pode ter relação com o impacto da vacinação na redução das internações dos idosos mais velhos, ainda que a proporção da população imunizada seja insuficiente para conter o avanço da doença. Também afirmam que o patamar de novos casos, apesar de elevado, não é o mesmo que foi observado em março e abril, quando houve colapso em grande parte do país.
O cenário, no entanto, é considerado de "muita incerteza" e o início do inverno preocupa por favorecer doenças respiratórias, principalmente nas regiões Centro-Oeste e Sul.
"É um alento, mas estamos saindo do muito ruim para o ruim. Chegamos a um ponto em meados de março no qual praticamente todo o país estava acima de 80% e grande parte acima de 90%, e essa semana tivemos uma melhora", afirma a pesquisadora Margareth Portela, responsável pela coleta dos dados.
Portela destaca que o sistema ainda está sobrecarregado, e há risco de piora:
"Como não estamos em uma situação confortável, se há aumento de casos, pode aumentar também a ocupação nas próximas semanas, e não temos um alívio suficiente no sistema de saúde para incorporá-los facilmente", explica.
Segundo a Fiocruz, o país registra a terceira semana consecutiva de aumento de infecções e óbitos pelo coronavírus. O sanitarista Christovam Barcellos, membro do Observatório, afirma que na última semana houve crescimento especialmente dos casos, de 9% em relação à anterior.
"Tivemos um aumento muito forte de todos os indicadores em março, diminuiu um pouco e agora aumenta um pouco. A média é de 72.700 infecções por dia. Nas mortes, o crescimento foi um pouco menor, de 6%, mas com média de 2.070 óbitos por dia", afirma.
Em São Paulo, o governador João Doria (PSDB) anunciou ontem que a prorrogação da fase de transição das medidas de restrição foi decidida após aumento de casos, internações e óbitos por Covid-19.
Barcellos destaca que com a alta das infecções no país, é possível que nas próximas duas semanas aumentem os casos graves, que precisam ser hospitalizados, e podem ser seguidos por um crescimento maior também nas mortes.
"Em março, algumas cidades decretaram medidas mais restritivas e isso ajudou um pouco a conter a onda, mas em abril e maio houve relaxamento. Isso pode estar refletindo nos casos. Estudos mostram que as variantes identificadas em Manaus e na Índia são mais transmissíveis, o que também pode explicar o aumento. Mas tudo indica que as vacinas ainda são eficazes contra elas", afirma.
O pesquisador explica que a redução atual nas taxas de ocupação ainda é resultado da liberação de leitos que foram ocupados em março e abril.
"Em média, as pessoas ficam duas ou três semanas internadas. E os hospitais têm uma grande inércia em abrir leito depois que da alta ou falecimento do paciente. Essa relativa diminuição ainda é resultado de pessoas que se internaram em março, abril, e agora estão liberando as vagas e está diminuindo um pouco a procura", afirma.
Segundo a Fiocruz, entre os dias 14 e 21 de junho, as UTIs do Amazonas e Amapá saíram da zona considerada de alerta, apresentando taxas de ocupação inferiores a 60%. Também se encontram nesse nível Rondônia e Acre. Já o Piauí, Rio Grande do Norte, Minas Gerais e São Paulo deixaram a zona de alerta crítico e entraram na intermediária, caracterizada por índices de ocupação a partir de 60% e abaixo de 80%, na qual se encontram também Pará, Paraíba, Espírito Santo e Rio de Janeiro.
Os piores índices, acima de 90%, foram identificados em seis estados: Roraima, Tocantins, Sergipe, Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul. Portela destaca que os quatro últimos preocupam especialmente pois se mantêm no patamar muito elevado há semanas.
Oito estados e o DF apresentam taxas de ocupação entre 80% e 89%: Maranhão, Ceará, Pernambuco, Alagoas, Bahia, Rio Grande do Sul, Mato Grosso e Goiás.
Os dados também apontam que sete capitais brasileiras estão com taxas de ocupação de leitos de UTI Covid-19 iguais ou superiores a 90%: Boa Vista (91%), Palmas (98%), São Luís (92%), Aracajú (98%), Curitiba (97%), Campo Grande (98%) e Goiânia (90%). Outras três apresentam índices superiores a 80%: Fortaleza (83%), Rio de Janeiro (84%) e Brasília (82%).
Inverno preocupa
Barcellos afirma que o início do inverno preocupa, principalmente nas regiões Centro-Oeste e Sul, nas quais os estados já apresentam cenário crítico de casos e taxas de ocupação de UTIs para Covid-19. Além disso, a estação costuma ser muito seca e fria, respectivamente, em cada região, o que favorece doenças respiratórias.
"Muitas pessoas pode ter pneumonia, tuberculose, asma, várias doenças comuns nessa época, e suspeitar que seja Covid. É hora de incrementar a testagem, principalmente no Sul e Centro-Oeste, para separar os casos graves de Covid dos que podem ser tratados em casa. Pode ocorrer uma competição por leitos, com risco de nova crise nos hospitais", alerta.
O pesquisador destaca a importância do investimento na atenção primária à saúde, para fazer triagem dos casos graves que precisam de internação, o que pode aliviar os hospitais. Ele avalia que algumas regiões precisam adotar medidas de restrição adaptadas às suas particularidades e enfatiza a necessidade da melhoria das condições de transporte, que costuma funcionar com janelas fechadas durante os dias mais frios, aumentando o risco de transmissão do vírus.
Portela acrescenta que as medidas de controle da pandemia continuam sendo fundamentais, assim como a ampliação da vacinação:
"É fundamental continuar utilizando máscara, assim como as outras medidas de controle. Precisamos ter pelo menos 75% da população vacinada para flexibilizar alguns hábitos. Para isso, precisamos ainda completar a segunda dose de muita gente, e expandir muito a aplicação da primeira".