Casos de pacientes que apresentaram súbita melhora clínica e de estado de consciência antes de morrer são relatados e, muitas das vezes, o momento ocasiona uma possibilidade de despedida dos entes queridos. Mas existe explicação científica para isso?
Segundo Valdes Roberto Bollela, professor da Divisão de Moléstias Infecciosas e Tropicais do Departamento de Clínica Médica Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, não é regra. Algumas pessoas passam por isso em diferentes tipos de enfermidade. No entanto, não é credibilizado como relato científico.
"É fato, acontece mesmo. As pessoas, eventualmente, têm uma melhora e em seguida morrem. Mas não tem nenhuma base científica. É uma impressão que existe, só que não é algo que se deve assumir como verdadeira", acrescenta Valdes, que descreve como "melhora pré-morte".
Em alguns casos, o termo “melhora da morte”, fica mais claro depois que o fato acontece.
"Ela chegou ao hospital reclamando de falta de ar e foi direto para o CTI. Com o passar dos dias, fomos informados que estava sedada e com auxílio de ventilação mecânica. Mas aí veio a notícia boa: ela estava respondendo bem ao tratamento, e a medicação estava sendo reduzida. Ela chegou a ser extubada, mas três dias depois, o quadro dela piorou e aconteceu o que a gente mais temia. A melhora encheu a gente de esperança", relatou a filha da dona de casa, Ana Cristina, de 67 anos, que faleceu por complicações da Covid 19, em março deste ano.
Lucidez terminal
Para o neurocirurgião Marcelo Valadares não existe um termo médico oficial, o mais utilizado para ocasião seria “Lucidez terminal” ou “Lucidez paradoxal”. Segundo ele, quando isso foi descrito, inicialmente no século XIX, foi em pessoas que tinham demência, ou seja, em pacientes que apresentavam doenças neurológicas ou psiquiátricas, que se encontravam totalmente sem condições de interagir, ou em casos de esquizofrenia, e que num determinado momento melhoravam e em seguida morriam. Depois foi relatado em casos neurológicos como tumor cerebral, abscesso e etc.
"Isso foi diagnosticado em uma pessoa que está neurologicamente ou psiquiatricamente acometida com uma doença crônica ou que caminhou rápido. Ela apresenta uma melhora, uma lucidez, uma clareza dias, horas ou minutos antes de morrer. Por exemplo: a pessoa que estava inconsciente e recupera os sentidos (é capaz de falar, reconhece as pessoas) mas logo depois ela morre", diz Marcelo Valadares, médico neurocirurgião da Disciplina de Neurocirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp e do Hospital Albert Einstein.
Valadares explica que há diversas hipóteses que tentam explicar, como o caso de substâncias neurotransmissoras. O médico exemplifica com a febre em paciente em estado muito grave, que causa efeitos no cérebro que podem trazer uma sensação de clareza, podem despertar ou dar sensação de paz, euforia e conforto. Parece que o paciente melhora, e seria o cérebro bombardeado de substâncias que fazem parte do processo do organismo de combater uma infecção. São alterações neurológicas, que acontecem próximo à hora da morte, conclui o médico.
"Outro ponto a destacar durante a ‘lucidez terminal’ são relatos de pacientes graves que sobreviveram. Eles contam que tiveram visões, entraram num túnel e sentiram determinadas coisas. São hipóteses, mas acreditamos que tenham sido substâncias que causam efeitos no cérebro".
O médico esclarece ainda que todo esse processo da 'lucidez terminal', quando a pessoa desperta para um período de clareza, ou a experiência de quase morte, tenha a ver com o funcionamento diferente do cérebro nesses estados. Seja por neurotransmissores que são bombardeados com o organismo lutando, seja pela febre, que possam reverter quadros de coma; ou pelo acionamento do cérebro que ativa outras áreas, mas isso não acontece com todo mundo.