Covid-19: Transmissão da variante Delta no Rio traz preocupação sobre 4ª onda
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Covid-19: Transmissão da variante Delta no Rio traz preocupação sobre 4ª onda

A velocidade do crescimento no número de casos da variante Delta do coronavírus no Rio saltou aos olhos de Ana Tereza Vasconcelos, responsável pela maioria das análises de sequenciamento genético do SARS-CoV-2 no estado. Pesquisadora do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), ela realiza levantamentos genômicos quinzenais a partir de amostras recolhidas aleatoriamente pela Secretaria estadual de Saúde (SES).

Foi ela quem deu à pasta o alerta de que a cepa indiana tinha provocado, segundo a análise mais recente, outras 63 infecções, elevando o total de casos da variante no estado para 74. Os 11 casos restantes foram identificados por outros institutos.

"O que me chamou a atenção foi que os casos pularam de dois para 63 em duas semanas, numa amostra aleatória. Provavelmente teremos de esperar, acompanhar e tomar todas as precauções, porque a Delta realmente parece ser bem mais transmissível do que as outras", afirma Ana Tereza.

Por isso, a pesquisadora diz que o Rio pode estar às vésperas de uma quarta onda da Covid-19. Ela ressalta, contudo, que uma maior infecciosidade não necessariamente significa um maior potencial de evolução para casos graves:

"A tendência é termos um aumento grande do número de casos. Mas, por outro lado, essa variante, nos outros países, não aumentou tanto o número de internações. Os estudos ainda são muito preliminares. Na Inglaterra, ela chegou e aumentou bastante o número de casos. Mas a Inglaterra já estava com uma grande proporção da população vacinada, e o número de hospitalizações foi menor. São vários os fatores que a gente deve levar em conta".

Segundo a cientista, o Rio lidera o ranking de estados com mais casos confirmados da variante Delta. A marca pode ter a influência do número de análises genômicas realizadas em cada unidade da federação. O secretário estadual de Saúde, Alexandre Chieppe, disse, no início deste mês, que o Rio é o estado que realiza o maior número mensal de sequenciamentos genéticos, cerca de 800. Desse total, a grande maioria é assinada por Vasconcelos e sua equipe, num estudo chamado Corona-Ômica.

"De 15 em 15 dias, sequencio cerca de 380 genomas do estado inteiro. Nesse último trabalho, como identifiquei as primeiras Deltas há 15 dias em Seropédica e São João de Meriti, foquei mais na Região Metropolitana. Realmente foi um resultado expressivo. Na semana que vem, vou começar a sequenciar o resto do estado e, provavelmente, vai ser Delta em tudo quanto é canto", avalia.

Desde 24 de março, os autores do estudo mantêm com a SES uma parceria que prevê o monitoramento genético do coronavírus no Rio até o fim do ano. A cooperação técnica também engloba a Secretaria municipal de Saúde da capital. A previsão atual é de que sejam feitas 4.800 análises, mas o número pode aumentar.

Até agora, o Corona-Ômica já realizou mais de 2.500 sequenciamentos, cujos resultados são diretamente apresentados à SES, que os comunica aos municípios. As cidades estão sendo notificadas a respeito dos 63 novos casos descobertos pelo estudo, para que o número de ocorrências por município possa ser divulgado à população, diz Vasconcelos. Desde a primeira dose: veja, em imagens, como a vacinação contra Covid-19 avança no Rio

Número de amostras é pequeno, diz epidemiologista

Para a epidemiologista Gulnar Azevedo (Uerj), no entanto, a quantidade de amostras mensais anunciada por Chieppe ainda é pequena.

"Acho pouco. Se rastrearmos os contatos de todas essas pessoas, por exemplo, a tendência é aumentar. O número de análises precisa aumentar conforme a epidemiologia vai mostrando. A quantidade ideal depende da rapidez com que os novos casos vão aparecendo", diz a especialista.

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Mesmo com um potencial remoto de causar casos graves e mortes, a variante Delta deveria motivar um fortalecimento das medidas restritivas, avalia Azevedo:

"Como ela é mais transmissível, haverá mais infectados. Essa proporção ampliada significa também um número maior de hospitalizações. Então, há risco de o sistema de saúde ficar novamente muito demandado".

Ampliar as restrições previstas na capital, contudo, não está no horizonte da secretaria municipal de Saúde, diz o titular da pasta, Daniel Soranz.

"Já temos uma série de medidas restritivas na cidade, elas já foram publicadas em decreto. Não pretendemos mexer nelas neste momento. É preciso analisar o número de casos. Agora, o que a gente tem é uma redução do número de casos, de internações e de óbitos, o que contrariou inclusive nossas previsões para o inverno. É muito difícil a gente impor maiores restrições à população nesse momento, com esse cenário", afirma.

Sobre o número de análises genômicas, a SES diz que o estudo Corona-Ômica-RJ é um dos maiores do país e realiza a análise mensal de cerca de 800 amostras de todo o estado. “O projeto lançado em março para realização de 4.800 amostras pelo período de seis meses será continuado até o fim de 2021, ampliando também o quantitativo de amostras”, diz a pasta, em nota.

“Vale ressaltar que o sequenciamento do vírus da Covid-19 não é um exame de rotina nem de diagnóstico, é feito como vigilância genômica, para identificar modificações sofridas pelo vírus SARS-CoV-2 no estado. Além dos sequenciamentos realizados pelo estudo Corona-Ômica-RJ no Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), há amostras também sendo analisadas pelo Laboratório de Vírus Respiratórios da Fiocruz e o Laboratório da Fundação Ezequiel Dias (FUNED), em Minas Gerais, por meio do Ministério da Saúde”, prossegue a secretaria.

A Secretaria municipal de Saúde ressalta a importância da parceria com a SES, que engloba ainda, segundo a pasta, institutos como o Laboratório Central de Saúde Pública Noel Nutels (Lacen-RJ), o Laboratório de Vírus Respiratório e Sarampo (LVRS) da Fiocruz e a Rede Corona-Ômica, que reúne o Laboratório de Virologia Molecular (LVM) da UFRJ e o Laboratório de Bioinformática do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC). "Mais de 93% dos sequenciamentos são resultados das parcerias com esses laboratórios, mas também é possível receber resultados de outros laboratórios, inclusive privados", pontua a secretaria.

Quanto às medidas restritivas, a SES frisa que, “independentemente da cepa do vírus ou linhagem, as medidas de prevenção e métodos de diagnóstico e tratamento da Covid-19 seguem os mesmos. Sendo assim, não há alteração nas medidas sanitárias já adotadas, como uso de máscaras e álcool em gel, lavagem das mãos e distanciamento social. Além disso, é importante que os municípios continuem avançando no processo de vacinação contra a Covid-19 e que a população retorne para receber a segunda dose. Estudos mostram que todas as vacinas disponíveis no Brasil são eficazes contra as variantes identificadas até o momento”.

A Delta em outros países

A Delta, variante originária da Índia, é a mais nova e preocupante linhagem estrangeira a aparecer no Rio de Janeiro. Cientistas analisam que ela, que já chegou a mais de cem países, é muito mais contagiosa que todas as outras conhecidas até agora.  Os números mostram que menos pessoas evoluíram para quadros graves ou acabaram morrendo ao contrair a Delta, mas tais dados se confundem com o fato de que ela surgiu, a princípio, em nações onde já havia grande parte da população vacinada. É o caso, por exemplo, do Reino Unido.

Nos Estados Unidos, que também sofrem com a chegada da Delta, o sistema de saúde viu um aumento de 121% nos novos diagnósticos e de 9% das mortes em 14 dias, concentrados, sobretudo, em regiões onde a imunização está abaixo da média nacional.

Na visão de gestores e especialistas, uma das soluções possíveis para contornar o avanço da Delta é a vacinação com fórmulas diferentes, a chamada vacinação heteróloga. Para Gulnar Azevedo, professora de epidemiologia da Uerj e presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), a estratégia é comum e já foi utilizada em outras epidemias. Ela também destaca que há estudos científicos que mostram a segurança em combinar Pfizer e AstraZeneca.

"A combinação de vacinas diferentes já foi feita em algumas epidemias de outras doenças, mas é importante analisar as especificidades das vacinas. Alguns estudos científicos têm mostrado ser seguro combinar vacinas diferentes, como, por exemplo, a da AstraZeneca e a da Pfizer. Neste caso, pode ser uma estratégia viável para garantir a vacinação de toda a população quando há ainda o grande obstáculo da escassez de uma ou outra vacina", disse.

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