Um grupo internacional de 91 cientistas publicou hoje uma declaração de consenso pedindo a agências reguladoras que atualizem suas políticas de recomendação para o uso de paracetamol por gestantes. O medicamento, usado por metade das grávidas do planeta, tem aparentado risco para desenvolvimento do feto, segundo sugerem estudos observacionais e experimentos com cobaias.
O documento, publicado hoje na revista médica Nature Reviews Endocrinology, é acompanhado de um trabalho de revisão da literatura científica dos últimos 25 anos, particularmente de estudos recentes. Os cientistas afirmam que muitos trabalhos apontando risco ainda não são conclusivos, mas inspiram cautela, porque apontam para danos ao desenvolvimento dos sistemas nervoso e reprodutivo dos fetos.
"Nós recomendamos que mulheres grávidas devem ser alertadas no início da gestação para evitar o paracetamol a menos que seu uso médico seja indicado e a se consultarem com um médico", afirmam os cientistas no artigo publicado hoje como uma "declaração de consenso".
Enquanto estudos mais detalhados não resolvam as dúvidas científicas que restam na área, os cientistas pedem à FDA e à EMA (agências reguladoras de fármacos dos Estados Unidos e de União Europeia) que suas recomendações sejam "atualizadas com base na avaliação de toda evidência científica" e "revejam as pesquisas mais recentes".
No Brasil a bula do medicamento já afirma que o paracetamol "não deve ser utilizado por mulheres grávidas sem orientação médica". Recentemente a Avisa emitiu uma nota de cautela sobre danos que o medicamento pode causar ao fígado, mas não tratou especificamente de problemas para gestantes.
A revisão que acompanha a declaração dos cientistas foi feita por cientistas de 14 instituições dos EUA e da Europa, liderados pela sanitarista Ann Bauer, da Universidade de Massachusetts. O fisiologista brasileiro Anderson Andrade, professor da Universidade Federal do Paraná, é coautor do trabalho.
Apesar de apontarem os riscos do medicamento para gestantes, os cientistas reconhecem no estudo que o paracetamol é uma droga importante para tratamento de alguns problemas médicos em grávidas e defendem que deve permanecer como opção viável, desde que indicado diretamente por um médico. A preocupação do grupo é quem por ser um medicamento isento de prescrição na maioria dos países, o risco de gestantes o usarem sem acompanhamento é alto.
Sem receita
Segundo Bauer e seus coautores, um levantamento global mostra que o paracetamol é hoje o medicamento mais consumido por gestantes; cerca de metade delas faz uso do produto em algum momento da gravidez. No combate à febre, estudos sugerem que os benefícios superam os riscos, pois a temperatura corporal alta e persistente está associada a riscos maiores para o feto. O problema é que cerca de 70% das gestantes fazem uso do paracetamol para combater dor leve, e nesse caso o medicamento se mostrou menos eficaz e seguro que outras alternativas.
Os pesquisadores não entram num debate direto sobre se a classificação paracetamol, um dos fármacos mais consumidos no mundo, deve ser alterado para exigir receita médica. Eles recomendam, ao menos, que ele seja vendido exclusivamente em farmácias, como já é no Brasil. Em Em alguns países europeus, existe limitação da quantidade de comprimidos que podem ser comprados por pessoa.
Olímpio Barbosa de Moraes Filho, um dos diretores da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), afirmou ao Globo que a entidade é contra a reclassificação da droga como tarja vermelha, ao menos por enquanto.
"Acho que o mais importante é intensificar o trabalho de conscientização", diz Olimpio. "Se a pessoa tem uma indicação à noite, duas horas da manhã, como vai ter acesso a um médico para liberar essa medicação? O importante é que tanto o paciente quanto o médico entenderem que não se deve usar a medicação sem que exista uma indicação clara de benefício."
Hoje o paracetamol é vendido no Brasil como princípio ativo puro ou combinado, sob dezenas de marcas diferentes e também como remédio genérico.
No estudo da Nature Reviews, os cientistas afirmam que uma medida importante é agências de fomento à ciência estimularem mais pesquisas sobre o tema para eliminar as dúvidas que permanecem sobre os riscos de uso da droga. É particularmente difícil, afirmam, aferir o grau de risco de problemas psiquiátricos que se manifestam em crianças maiores ou em adolescentes, como depressão e problemas cognitivos, porque experimentos com animais não emulam bem o comportamento humano.
No caso de problemas de desenvolvimento urogenital, os estudos com cobaias ilustram o risco de forma mais clara, mas em humanos é difícil estabelecer o que seria uma margem de segurança para dosagem do medicamento. Enquanto a ciência não traz respostas mais sólidas para essas preocupações, dizem os autores, o princípio da cautela deve valer.
"Gestantes devem se consultar com um médico ou farmacêutico se não estão certas sobre se o uso é indicado, e antes de usar o medicamento em longo prazo, além de de minimizar a exposição à menor dose eficaz, pelo menor período de tempo possível", escrevem os pesquisadores.