Doses da vacina da Pfizer são aplicadas no reforço
Hélia Scheppa/ Arquivo/ SEI
Doses da vacina da Pfizer são aplicadas no reforço

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) fará uma reunião na quarta-feira para decidir sobre as doses de reforço para vacinas contra Covid-19. Na semana passada, o Ministério da Saúde anunciou que aplicaria mais uma dose da vacina da Janssen sem consultar a agência. A reunião extraordinária foi uma saída técnica encontrada pela Anvisa para resolver a questão e evitar propaganda negativa para os imunizantes.

A postura do Ministério em anunciar a medida sem procurar a agência abriu fissuras na relação do órgão com a Anvisa. A medida gerou desconforto entre diretores da agência. Nos bastidores, a avaliação é de que o anúncio foi feito de forma precipitada.

O fato teria contribuído para alimentar ruídos em torno da medida, deliberada unilateralmente pela pasta. Secretários de saúde, técnicos e integrantes da Câmara Técnica Assessora de Imunização Covid-19 (Cetai) também não foram ouvidos. Na semana anterior ao anúncio, a Anvisa e a Janssen se reuniram, mas não houve deliberação.

Depois, o órgão regulatório oficiou tanto a Janssen quanto o ministério para ter acesso aos dados que subsidiam a decisão. O passo seguinte foi o receber o pedido de mudança de bula, com dados, entregue no último sábado. O prazo de avaliação é de 30 dias.

"Nenhum outro país tomou essa decisão além dos Estados Unidos, a Europa também não recebeu esses dados e é por isso que a gente tem dúvidas sobre o que exatamente deve ser feito no esquema da vacina da Janssen", declarou ao GLOBO o gerente-geral de Medicamentos e Produtos Biológicos da Anvisa, Gustavo Mendes. "É preciso monitorar esses dados (de eficácia e de segurança da segunda dose) para fazer essa avaliação risco-benefício."

O diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) Renato Kfouri explica que a decisão do ministério vai na linha da aprovada pelo Food and Drug Administration (FDA), agência regulatória norte-americana, que autorizou como a dose como booster (reforço, em tradução para português). Nessa esteira, a tendência deve ser mudar o esquema vacinal de uma para duas doses.

"A Janssen está mudando seu esquema (vacinal) de uma para duas doses. Como (a Janssen) teve um licenciamento prévio de uma dose só (nos Estados Unidos), eles não podem chamar de segunda dose. O que os dados têm mostrado é que uma dose só não sustenta a proteção por muito tempo, então já foi aprovado nos Estados Unidos. Deve ser uma tendência para todos os países que usam Janssen", afirmou o pediatra infectologista.

Dados da Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS), compilados pela pasta, mostram que 4,82 milhões de pessoas já receberam uma dose de Janssen no Brasil, o que equivale a 1,6% das vacinas aplicadas.

Segunda a secretária extraordinária de Enfrentamento à Covid-19, Rosana Melo, informou ao GLOBO, as doses para a segunda aplicação começaram a ser distribuídas na última sexta-feira e já poderiam ser administradas. Estados e municípios têm autonomia para definir cronogramas de vacinação e podem, por exemplo, escalonar a aplicação por faixa etária.

Tanto a segunda dose de Janssen — com intervalo mínimo de dois meses após a primeira — quanto a extensão da dose de reforço para a população adulta foram divulgadas na última terça-feira. Antes desse anúncio, porém, só a Pfizer havia entrado com pedido na Anvisa para o reforço, em 28 de setembro.

Já a AstraZeneca encaminhou a solicitação na última quarta-feira. Nos três casos, a requisição é em relação a um reforço homólogo, isto é, com o mesmo imunizante que a pessoa tenha recebido anteriormente. Todas estão em análise pela agência.

O ministério orienta, contudo, que o reforço deve ser preferencialmente de Pfizer — independente se a pessoa tiver tomado essa vacina, a CoronaVac ou a da AstraZeneca — já que estudos mostram maior quantidade de anticorpos neutralizantes com vacinas que usam a tecnologia do RNA mensageiro.

Para o pesquisador do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP) Wasim Aluísio Prates Syed, não há risco em administrar duas doses de Janssen e, cinco meses depois, uma de reforço de laboratório diferente:

"Essa estratégia, que é a vacinação heteróloga, é muito interessante, porque a resposta imunológica costuma ser bem maior, principalmente para vacinas que usam a tecnologia de vetores virais (caso da Janssen e da AstraZeneca)", avaliou o farmacêutico e divulgador científico.

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