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Por que África é um dos continentes com 'menos mortes' por covid?
Israel Campos - De Londres para a BBC News Brasil
Por que África é um dos continentes com 'menos mortes' por covid?
Israel Campos - De Londres para a BBC News Brasil

Apesar de ter sido apontado como um grande foco de preocupação pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em março de 2020, devido ao seu frágil sistema de saúde e falta de condições sanitárias adequadas, o continente africano continua a ser dos menos afetados pela covid-19, quando comparado com a Europa, as Américas e a Ásia.

Só a Oceania tem menos mortes, em números absolutos, que a África.

Enquanto nas Américas já morreram mais de 1,5 milhões de pessoas desde o início da pandemia, na África, o número total de mortes é de pouco mais de 224 mil.

Mais de 600 mil brasileiros morreram de covid desde o início da pandemia, ou seja, o Brasil teve quase três vezes mais mortes que todo o continente africano. E a África tem um bilhão de pessoas a mais que o Brasil.

Mas o que existe por trás deste "fenômeno"?

A BBC News Brasil lista aqui cinco teorias que podem explicar melhor o que tem acontecido na África:

1. Média de idade

Segundo dados da ONU, a população africana é a mais jovem do mundo, com uma idade média de 19 anos.

Globalmente, a maioria das mortes por covid-19 ocorre em pessoas com 65 anos de idade ou mais. Ou seja, o fato de a África ter uma população bastante jovem pode ter tido um papel relevante no seu número de mortes por coronavírus.

Vamos comparar dois países com tamanho populacional semelhante para essa diferença ficar mais clara: Canadá e Uganda. No Canadá, a idade média é de 41 anos e a expectativa de vida é de 82 anos. Cerca de 18% da população tem 65 anos ou mais.

Já em Uganda a expectativa de vida é bem mais baixa, de 63 anos. A idade média lá é de 16 anos e apenas 2% da população têm 65 anos ou mais.

Na pandemia de covid-19, os dois países têm tido resultados bastante diferentes. Até o momento, o Canadá registrou quase 1,8 milhões de casos de covid e 29 mil mortes, enquanto que Uganda registrou 128 mil casos e 3 mil mortes, até o dia 9 de dezembro.

2. Respostas eficazes de saúde pública de governos

O primeiro caso de covid na África foi confirmado no Egito, em 14 de fevereiro de 2020. Àquele altura, havia muito receio de que o novo vírus pudesse levar os sistemas de saúde do continente ao colapso.

Entretanto, os governos africanos, que já assistiam o caos que se instalava em países da Europa com a propagação do vírus, adotaram respostas rápidas de saúde pública tais como, medidas de distanciamento social e obrigação de usar máscaras.

De acordo com um índice da Universidade de Oxford, na Inglaterra, sobre as respostas dos governos à pandemia, países africanos como Marrocos, Tunísia e Ruanda estiveram entre os primeiros do mundo a estabelecer medidas mais duras como lockdowns e controle rígido de viagens.

Mas os governos não agiram sozinhos. A população, em sua grande maioria, colaborou bastante.

Uma pesquisa feita em 18 países africanos em agosto de 2020 apontou um grande apoio das pessoas às medidas de segurança. Segundo esse estudo, 85% dos entrevistados disseram que estavam usando máscara.

Mulher sendo vacinada
Getty Images
O presidente da África do Sul pediu a todos que tomem vacina contra a covid

3. Subnotificação de mortes por covid

Alguns especialistas sugerem que a subnotificação do número de mortes por covid pode pintar um quadro mais positivo do que a realidade. Ou seja, mais pessoas podem ter morrido de covid no continente sem o devido registro por causa da baixa capacidade de testagem em alguns países.

"A coleta insuficiente de dados pode significar que não sabemos realmente a incidência e prevalência de covid-19. Embora variem na África Subsaariana, os níveis de teste têm sido baixos em comparação com outras áreas do mundo", dizem os especialistas Alex Ezeh, da Drexel University, Michael Silverman e Saverio Stranges, ambos da Western University, num artigo acadêmico publicado no dia 17 de agosto.

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Mas Jeremias Agostinho, especialista em saúde pública de Angola, contesta essa teoria.

O médico disse à BBC News Brasil que "se houvesse um número elevado de mortes por covid não identificados, nós teríamos um aumento na mortalidade por outras doenças ou por doenças desconhecidas. Mas neste momento este fenômeno não ocorre".

"Independentemente de nós fazermos poucos testes, não temos uma alteração significativa na taxa total de mortalidade a nível do continente", acrescentou o especialista.

4. Falta de casas de repouso

As casas de repouso foram tidas como um grande foco de contágio da covid-19. No Reino Unido e outros países da Europa, a doença se espalhou rapidamente nessas instituições, matando milhares de idosos.

Em boa parte dos países na África, o número de idosos que vivem em clínicas ou casas de repouso é pequeno, o que contrasta com a realidade em muitos países chamados desenvolvidos.

Anne Soy, correspondente sênior da BBC África, explicou à BBC News Brasil que por razões culturais, "quando as pessoas se aposentam em muitas cidades africanas elas voltam para as zonas rurais."

"É quase um tabu mandar embora os seus velhos, porque as pessoas vão pensar assim, 'eles cuidaram de você quando você era mais novo, e você agora está jogando eles fora", ela complementa.

Na visão de Soy, este pode ter sido um elemento que contribuiu para o baixo número de mortes do continente.

"A configuração nas zonas rurais é tal que as casas ficam distantes umas das outras. Então, eles já estão socialmente distanciados. Você não pode comparar isso com pessoas que moram em um apartamento que provavelmente tem centenas de famílias."

Durante a primeira onda da pandemia, por exemplo, cerca de 81% das mortes no Canadá ocorreram em casas de repouso para idosos.

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Após Alfa, Beta, Gama e Delta, ômicron entrou na lista das variantes de preocupação do coronavírus mantida pela OMS

5. O clima favorável

Um estudo da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, encontrou uma correlação entre temperatura, umidade e latitude e a disseminação da covid-19.

Em entrevista à BBC África em outubro de 2020, Mohammad Sajadi, o líder da pesquisa, disse: "Nós observamos a propagação precoce [do vírus] em 50 cidades ao redor do mundo. O vírus teve mais facilidade de se espalhar em temperaturas e umidade mais baixas".

Sajadi acrescentou que: "Não é que o coronavírus não se espalhe em outras condições — ele apenas se espalha melhor quando a temperatura e a umidade caem".

No entanto, alguns casos de alta mortalidade em países quentes, como o Brasil, podem desafiar essa teoria. Ou será que teria havido ainda mais mortes no Brasil, se o clima fosse mais frio e menos úmido?

Não há resposta para essa pergunta — o fato é que é preciso mais estudos para entender melhor a dinâmica do contágio.


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