Milhões de brasileiros dormem e acordam todos os dias com um inimigo que, literalmente, lhes esfola a pele. Porém, poucas gotas extraídas desse mesmo inimigo podem controlar a dermatite ou eczema atópica, uma forma de alergia que, quando grave, provoca lesões mais sérias, inclusive no rosto, afetando também a autoestima.
Um estudo pioneiro de cientistas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP) revelou que a dermatite atópica pode ser combatida com sucesso com a vacina contra ácaros, bem conhecida, segura, aprovada pela Anvisa.
"A grande novidade do estudo foi descobrir que os ácaros estão associados a cerca de 80% dos casos moderados e graves de dermatite atópica e que esta pode ser controlada pela mesma imunoterapia já usada para tratar asma e rinite", afirma a alergista Luisa Karla de Paula Arruda, uma das coordenadoras da pesquisa, apoiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e publicada na revista Journal of Allergy and Clinical Immunology: In Practice, uma das mais importantes desta área da medicina.
Os ácaros são a grande praga na vida dos alérgicos. Esses parentes minúsculos de aranhas e carrapatos, menores que a ponta de um alfinete, já eram associados a mais de 90% dos casos de alergias respiratórias, como asma, rinite e faringite. Mas não se sabia que poderiam provocar dermatite atópica, mal que se estima afetar entre 10% a 15% da população. As alergias como um todo atingem cerca de um terço dos brasileiros, diz Arruda.
Médicos já tinham conhecimento que, por vezes, crises de dermatite atópica são acompanhadas de rinite ou asma. Mas se achava que os ácaros não passavam de fatores de risco. E, por isso, a vacina contra ácaro - uma forma de imunizante chamado de imunoterápico - não era indicada para os portadores de dermatite atópica, uma doença crônica, que causa coceira intensa, prurido, crostas e, nos casos mais graves, lesões de pele.
A eczema pode ser confundida com a urticária, mas é muito mais séria que esta e tem, segundo Arruda, uma origem diferente. A eczema é mais comum nas dobras de braços e joelhos, pode atingir pescoço e rosto. Não raro, pacientes têm a autoestima afetada e sofrem discriminação.
O novo estudo mostrou que o nível de IgE (substância produzida pelo sistema imunológico para reagir a agressões) contra ácaros é elevadíssimo nos portadores de dermatite. O normal é que uma pessoa tenha IgE para ácaros num nível de até 100. Nos portadores de eczema esse número pode ir de 1.000 a 10 mil.
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"Quando entra em crise de dermatite, é comum uma pessoa pensar que foi o estresse ou algo que comeu ou vestiu o motivo. Eles podem ser apenas um gatilho, a causa é a exposição a ácaros", explica Arruda.
E não é fácil escapar dos ácaros. Eles estão em toda parte e, principalmente, no quarto. Travesseiros e colchões são infestados por essas pragas. Um colchão em uso há dois ou mais anos pode ter facilmente mais de um milhão de ácaros. Num mero grama de poeira, vivem mais de 40 mil deles.
Arruda diz que um alérgico pode tentar controlar os ácaros em casa, mas é impossível se livrar deles o tempo todo. A imunoterapia, porém, torna a pessoa resistente e no estudo com voluntários, as crises de eczema cessaram ou foram significativamente reduzidas.
No trabalho, 66 pacientes completaram 18 meses de tratamento. Os pacientes — 70% dos quais mulheres — têm entre 3 a 62 anos, com média de idade 20 anos.
Na imunoterapia, a pessoa recebe doses crescentes de gotas sublinguais (de uma a oito gotas). A estratégia é diminuir a sensibilidade ao causador de alergia, no caso, o ácaro. Mas a mesma estratégia é muito usada contra alergias de forma geral.
Segundo Arruda, após 18 meses a coceira e as lesões na pele diminuíram ou desapareceram. O imunoterápico usado foi desenvolvido na Espanha e é específico contra a espécie mais comum de ácaro doméstico, o Dermatophagoides pteronyssinus.
"Até mesmo crianças pequenas conseguiram usar bem o tratamento, que pode ser aplicado em casa. O clima do Brasil é perfeito para os ácaros e a alergia é muito frequente. Propomos uma mudança no tratamento que pode ajudar muita gente", destaca a cientista.