No último domingo, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, anunciou o fim do estado de emergência em saúde pública de importância nacional (Espin) no país. A medida, em vigor desde fevereiro de 2020, ajudou a implementar diversas ações de combate ao coronavírus e de acesso à saúde.
Embora Queiroga tenha assegurado nesta segunda-feira que "nenhuma política pública de saúde será interrompida", o encerramento abrupto da emergência sanitária gera uma série de dúvidas em relação ao que acontecerá com medidas que estavam vinculadas à Espin, incluindo o uso da telemedicina, o controle de viajantes, a necessidade de quarentena e isolamento, a liberação de recursos extraordinários para estados e municípios, além da autorização do uso emergencial de vacinas e medicamentos.
Especialistas ouvidos pelo GLOBO concordam com o fim da emergência sanitária, mas não com a forma como isso foi feito. O epidemiologista Wanderson de Oliveira, secretário de Serviços Integrados de Saúde no Supremo Tribunal Federal (STF), explica que o cenário atual da Covid-19 no Brasil não cumpre mais os critérios necessários para a declaração de uma Espin.
São eles: possibilidade de disseminação nacional, risco produzido por agentes infecciosos inesperados, reintrodução de doença erradicada, gravidade elevada e problema que extrapole a capacidade de resposta da direção estadual do Sistema Único de Saúde (SUS).
"Uma análise objetiva e pragmática do decreto mostra que não temos mais uma emergência de importância nacional. O cenário atual da Covid no Brasil não cumpre o primeiro requisito porque a doença já está disseminada no país. Não cumpre o segundo porque o coronavírus não é mais um agente infeccioso inesperado. O terceiro, ela nunca cumpriu. Esse seria o caso da pólio, por exemplo. O quarto, que diz respeito à gravidade, fica na penumbra porque se compararmos com série histórica da doença, estamos no melhor momento em relação à gravidade da Covid-19. Em relação ao quinto, as capacidades de vigilância e resposta às emergências estão melhores em todo o país" , explica Oliveira, que participou da criação do documento que estabeleceu o conceito de Espin e fazia parte da equipe do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta quando a emergência foi decretada.
Entretanto, diversas ações implementadas durante a pandemia e que precisam permanecer, afinal, já não há dúvidas que a Covid-19 veio para ficar, podem ser impactadas pelo fim da emergência sanitária. Na prática, nada aconteceu porque a portaria que revoga a Espin ainda não está em vigor. Mas a previsão do Ministério da Saúde é que a nova portaria seja editada até o fim de semana e passe a vigorar em 30 dias.
"O problema não é suspender o decreto. É a forma como isso é feito. Sem planejamento, sem trasição adequada, sem estabelecer parâmetros para monitorar a doença e sem garantir finanaciamento para a manutenção das ações de vigilância, leitos para Covid-19, testagem e compra de vacinas para futuras campanhas. A suspensão veio antes do planejamento e deveria ser o contrário" , diz o infectologista Julio Croda, presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT).
Abaixo, O GLOBO esclarece as principais dúvidas sobre o assunto.
O que é a Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional (Espin)?
O estado de Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional (Espin) é definido como uma situação que demanda o emprego urgente de medidas de prevenção, controle e contenção de riscos, danos e agravos à saúde pública. Essa medida pode ser implementada mediante emergências epidemiológicas - como a Covid-19 - desastres e desassistência à população.
A Espin devido à pandemia de Covid-19 entrou em vigor no Brasil no início de fevereiro de 2020, antes mesmo da confirmação do primeiro caso da doença no país e poucos dias depois de a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarar emergência internacional de saúde pública devido à disseminação do novo coronavírus.
O objetivo da medida era facilitar e agilizar ações de enfrentamento à doença. Ela permitu, entre outras questões, a regulamentação da telemedicina, a liberação emergencial de vacinas e medicamentos, a contratação temporária de profissionais de saúde, a aquisição de bens e a contratação de serviços.
Como o fim da Espin irá impactar o combate ao coronavírus no país?
Essa é uma das grandes preocupações dos especialistas. As normas aplicadas sob o estado de emergência sanitária foram usadas para regulamentar o isolamento, a quarentena, a realização compulsória de exames médicos, a vacinação, a regulamentação da telemecicina, a autorização emergencial de medicamentos, vacinas e testes rápidos; a possibilidade de restrição de viajantes no país, além da liberação de recursos para compra de vacinas, contratação de profissionais de saúde e ações de vigilância epidemiológica.
Somente no Ministério da Saúde, 170 portarias podem ser impactadas com o fim da emergência sanitária. O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, garantiu que "nenhuma política pública de saúde será interrompida", mas ainda não está claro como esses decretos e medidas vinculados à Espin serão afetados.
"O medo é que haja fechamento de leitos e desestruturação da vigilância devido à falta de financiamento" , diz Croda.
Leia Também
O que continua a ser decidido de forma independente por estados e municípios?
De acordo com o infectologista Julio Croda, tudo pode continuar sendo decidido por estados e municípios. No entanto, o financiamento das ações de combate à Covid-19 dependem do Ministério da Saúde e a pasta ainda não esclareceu como irá manter esses recursos após o fim da Espin.
"Existem ações que foram impostas pela pandemia e que devem ser mantidas. Esses recursos vão precisar ser incorcoporados no orçamento dos estados e municípios e ser perenes" , diz o epidemiologista Wanderson de Oliveira.
O uso da telemedicina poderá continuar?
A telemedicina foi regulamentada pelo Ministério da Saúde em março de 2020, devido à necessidade de isolamento imposta pela pandemia. A medida, portanto, está vinculada à Espin e poderia ser afetada pelo seu fim. Mas, de acordo com a pasta, a realização de teleconsultas continuará liberada. Haverá uma nova portaria para atualizar a regulamentação para além do contexto da pandemia.
As vacinas em uso atualmente continuarão disponíveis?
A maioria das vacinas ucontra Covid-19 utilizadas no país - Pfizer, Janssen e AstraZeneca/Oxford - já têm o registro definitivo e, portanto, não seriam impactadas pelo fim da emergência sanitária. Apenas a CoronaVac poderia ser impactada. Na quinta-feira (14), a pasta enviou um ofício à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) pedindo que a agência estenda em um ano após a possível queda da Espin a autorização de vacinas contra Covid-19.
O que acontece com os medicamentos para Covid-19?
Há três drogas destinadas ao tratamento de Covid-19 com autorização de uso emergencial aprovada pela Anvisa: sotrovimabe, evusheld e o paxlovid. Este último está em processo de análise pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec). O grupo avalia uma possível recomendação para que o medicamento seja incluído na rede pública.
O Ministério da Saúde também solicitou à Anvisa a estensão do prazo da liberação desses tratamentos. Além desses três medicamentos há outros dois disponíveis para uso que não serão afetados pelo fim da emergência sanitária. São eles: o remdesivir, que tem registro definitivo, e o baricitinibe, que recebeu apenas inclusão de indicação para Covid-19 na bula.
Os testes rápidos continuarão à venda?
O Ministério da Saúde também solicitou à Anvisa a manutenção os testes rápidos em farmácias e a facilitação de importação de insumos necessários ao combate à Covid-19.
Haverá alguma mudança nas regras para entrada de viajantes?
A princípio, não. Desde o dia 1º de abril, passageiros que apresentarem comprovante de vacinação contra a Covid-19 não precisam mais apresentar exame negativo de Covid-1 para entrar no país. Também não é mais necessário cumprir o auto isolamento nem preencher a Declaração de Saúde do Viajante.
Conforme apurou O GLOBO, a tendência é que os diretores estendam o prazo por meio de uma portaria ou de uma Resolução da Diretoria Colegiada (RDC). Ainda não há data definida para a reunião em que devem deliberar sobre o tema.
O encerramento da Espin equivale ao fim da pandemia?
Não. Apenas a Organização Mundial da Saúde (OMS) pode declarar o fim da pandemia e não há indícios de que isso irá acontecer no curto prazo. Na semana passada, a entidade anunciou que ainda considera a Covid-19 uma emergência de saúde pública internacional.
De acordo com o comitê de emergências da OMS, o Sars-CoV-2 continua a ter uma evolução "imprevisível, agravada pela sua ampla circulação e intensa transmissão em humanos" e em outras espécies.
O que o governo brasileiro poderia fazer era justamente encerrar a Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional (Espin), medida implementada para nortear as ações de combate ao coronavírus no país.
O encerramento da Espin passa a vigorar imediatamente?
Não. Segundo Queiroga, a nova portaria será editada até o fim de semana e passará a vigorar em 30 dias.
Entre no canal do Último Segundo no Telegram e veja as principais notícias do dia no Brasil e no Mundo.