Estudos mostram que uma série de fatores influencia a maneira como as pessoas percebem o passar do tempo, como emoções fortes, eventos inesperados e a própria construção da memória. Com a pandemia, essa realidade não seria diferente, e um novo estudo brasileiro, publicado na revista científica Science Advances, não só confirmou o impacto da Covid-19 na alteração das dinâmicas, como mostrou a forma pela qual a percepção foi alterada pelos longos meses em isolamento social.
Para entender as alterações nesse processo, pesquisadores do Centro de Matemática, Computação e Cognição da Universidade Federal do ABC (UFABC), com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), conduziram diversos questionários com mais de três mil participantes a partir do dia seis de maio de 2020, pouco menos de dois meses do início da pandemia da Covid-19 e do distanciamento social no Brasil.
Naquele momento, 65% dos voluntários, a maioria jovens, relataram sentir que as horas passavam de forma mais devagar que o normal, um fenômeno chamado de “expansão temporal” pelos pesquisadores e ligado a noção de que o “tempo parou”. Segundo os responsáveis pelo estudo, esses relatos foram associados à sensação de solidão e à ausência de experiências positivas naquele período, em que 90% dos participantes cumpriam a quarentena em casa.
Além disso, para 75%, houve uma diminuição da “pressão temporal”, fenômeno descrito pelos cientistas como uma sensação de que as horas passam de maneira mais depressa e que não há tempo suficiente no dia para cumprir todas as tarefas e demandas necessárias e ainda realizar atividades de interesse pessoal.
“Acompanhamos os voluntários durante cinco meses para ver se essa ‘fotografia’ do início da pandemia mudaria ao longo do tempo. Observamos que essa sensação de expansão temporal foi diminuindo com o passar das semanas. Mas não notamos diferenças significativas em relação à pressão temporal”, afirma o autor principal do estudo André Cravo, doutor em neurofisiologia e professor da UFABC, em comunicado.
A pesquisa envolveu uma série de perguntas sobre a percepção do tempo, além de tarefas para avaliar a capacidade do participante de estimular a passagem de um curto período de segundos. Os voluntários também foram questionados sobre atividades realizadas na semana anterior e sobre sentimentos, como felicidade, solidão, entre outros.
“Além desse aumento ou queda nas escalas, queríamos descobrir quais fatores acompanhavam as mudanças. E, ao longo dos cinco meses, observamos um padrão parecido: nas semanas em que o indivíduo se sentia mais sozinho e vivenciava menos afetos positivos, também sentia o tempo passar mais devagar. Já em situações com alto nível de estresse, sentia o tempo passar mais rapidamente”, acrescenta Cravo.
Na primeira avaliação, em maio, os participantes também relataram como observavam a passagem do tempo logo antes da pandemia. As respostas mostram que, no primeiro mês da Covid-19, houve um aumento de cerca de 20 pontos na sensação de expansão temporal e uma redução de 30 pontos em relação à pressão temporal.
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No entanto, os pesquisadores destacam que esses resultados específicos que utilizam percepções de antes da pandemia são relativos, uma vez que se baseiam nas memórias dos voluntários e não por medições realizadas naquele momento pelos cientistas.
Como funciona a percepção do tempo
De acordo com Cravo, estudos anteriores mostram que mudanças na percepção da passagem das horas são influenciadas especialmente por dois fatores: a relevância do tempo em determinado contexto e eventos de imprevisibilidade.
“Por exemplo, se estamos atrasados para o trabalho (o que torna o tempo relevante no contexto) e precisamos esperar o ônibus passar no ponto (algo incerto), temos a percepção extrema de que os minutos não passam. Já quando estamos viajando e nos divertindo, não damos relevância para o tempo e ele parece voar”, explica o autor do artigo.
Além disso, a própria memória altera a percepção de eventos anteriores, então o passar do tempo pode ser diferente no momento em que se vive algo e depois, ao lembrar-se dele. Outros estudos mostram ainda que as emoções – e as intensidades em que elas são sentidas – estão diretamente atreladas à forma como essa memória é construída e, consequentemente, à maneira com que o tempo é interpretado.
“A consciência do tempo foi fortemente associada a fatores psicológicos, como solidão, estresse e emoções positivas, mas não à produção de tempo. Essa relação foi evidenciada entre os participantes e em seus relatos longitudinais. Juntas, nossas descobertas mostram como as emoções são um aspecto crucial de como o tempo é sentido”, escreveram os pesquisadores no estudo
Em relação à pandemia, o pesquisador da UFABC destaca que a perda de momentos que ajudam a delimitar a passagem de tempo durante o ano pode impactar ainda mais essa percepção, e ainda não há como se ter a dimensão exata de todos os efeitos que serão sentidos.
“Diversos marcadores temporais, como carnaval, festa junina e aniversários, foram perdidos nos últimos dois anos. Portanto, essa é uma pergunta que permanece em aberto”, diz Cravo.
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