Os números de casos de Covid-19 no Brasil vêm diminuindo sistematicamente desde o início de fevereiro. De lá para cá, a queda registrada na média móvel chega a 92%.
Esse novo cenário epidemiológico, conquistado sobretudo pela adesão da população às vacinas, mudou a paisagem do país — na maioria dos estados, as pessoas já circulam sem máscaras nas ruas e mesmo em lugares fechados. Houve, também, diminuição drástica na testagem para a doença. No entanto, agora, a taxa de resultados positivos em farmácias e laboratórios voltou a subir.
Apesar de o aumento das taxas ser de fato expressivo, elas não são consideradas alarmantes — em janeiro, no pico da variante Ômicron, esse percentual chegou a 39,87% nas farmácias, por exemplo. Especialistas ouvidos pelo GLOBO afirmam que os números reforçam que é importante estar alerta, mas ainda não indicam que é um momento para preocupação como nos meses passados.
O geneticista Salmo Raskin, diretor do Laboratório Genetika, de Curitiba, diz que o número de óbitos e a taxa de ocupação de leitos, em que é mais difícil haver subnotificação, continuam em queda. Hoje, a média móvel de mortes por Covid-19 está abaixo de 100 registros por dia no Brasil, e o índice segue diminuindo desde fevereiro.
'Se houvesse um aumento real no número geral de casos, isso se refletiria eventualmente no número de mortes, mas a gente não vê nem estabilidade nesse indicador, e sim diminuição constante', afirma o geneticista.
Além disso, os indicadores de hospitalizações também não demonstram ainda uma piora no quadro. No Hospital Albert Einstein, em São Paulo, por exemplo, no dia 6 de abril havia 11 pessoas internadas com Covid-19. Já no dia 20, esse número caiu para sete.
Na rede municipal de saúde do Rio de Janeiro, os índices de ocupação hospitalar continuam os mais baixos registrados no ano.
Raskin atribui as mudanças nas positividades também à prevalência da subvariante BA.2 da Ômicron no país. Segundo um estudo dinamarquês, a sublinhagem é “significativamente” mais transmissível que sua antecessora, a BA.1.
'Nesse caso, um aumento de casos é esperado, mas nada de outro mundo —diz.'
Um levantamento da rede Dasa já mostrava que a subvariante BA.2 havia se tornado predominante no Rio de Janeiro e em São Paulo, responsável respectivamente por 71% e 69% dos casos sequenciados entre os dias 3 e 9 de abril deste ano.
Para a infectologista da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), Raquel Stucchi, a maior positividade pode estar ligada à diminuição drástica no volume de testes realizados e à flexibilização das medidas restritivas.
'Esse aumento na positividade é principalmente em função da flexibilização das máscaras e da volta dos eventos que geram aglomerações no geral, como shows, jogos de futebol e, eventualmente, também o carnaval', pontua a infectologista.
Menos testes
De acordo com os dados da Abrafarma, farmácias e drogarias tiveram redução de 81% na quantidade de diagnósticos realizados no país entre janeiro e março.
Como a quantidade de testes realizados é cada vez mais baixa, mesmo com a proporção dos resultados positivos aumentando, os números oficiais seguem em queda.
Leia Também
'Apesar de o aumento da positividade ser grande, ela é sobre um número amostral muito pequeno, pela baixa quantidade de testes', explica Raskin.
Enquanto a Abrafarma contabilizou em janeiro 2.469.631 testes realizados nas farmácias do país, em março foram apenas 467.735 — queda de 81%. A perspectiva é que abril termine com um número ainda menor, já que até a metade do mês foram registrados apenas 127.830 diagnósticos pela associação.
Essa realidade, em que as pessoas não buscam se testar, é preocupante, afirma Raquel Stucchi. Isso porque pode mascarar um possível aumento de casos de Covid-19.
'A redução na quantidade de testes realizados não é um bom sinal, porque na prática nós observamos que temos muitas pessoas sintomáticas que atribuem os sinais a quadros alérgicos, por exemplo, e não se testam. Então há uma baixa procura, porque as pessoas estão muito seguras de que não vão adoecer gravemente, só que isso faz com que a transmissão continue', afirma a especialista.
Em casa
Outro fator que pode estar relacionado à redução dos testes em farmácias e laboratórios é o início da venda dos autotestes no Brasil, em março. Levantamento da Abrafarma, divulgado no início do mês, mostrou que quase 80% das pessoas que realizaram um teste em casa haviam obtido resultado positivo.
No entanto, a associação destaca que o número é relativo, uma vez que o registro do resultado é feito por meio de um QR code na embalagem do produto e fica à cargo da pessoa se ela envia ou não o diagnóstico — o que leva muitas pessoas a não contabilizarem o resultado, especialmente em casos negativos.
Para o virologista da Dasa, José Eduardo Levi, o aumento na taxa de testes positivos em laboratórios e farmácias do país pode estar ligado a um segundo diagnóstico para confirmar os resultados de autotestes.
'Esse fenômeno de aumento da positividade pode estar relacionado a uma seleção de quem está testando, muitas pessoas são aquelas que fazem autoteste e vão nos laboratórios para confirmar, isso é uma das explicações, porque o número de casos no geral está caindo', afirma o especialista.
Infecção mais leve ainda requer cuidados
A menor procura pelos testes acontece no momento em que o país registra altos índices de cobertura vacinal, com mais de 70% da população geral imunizada com as duas doses, o que leva a quadros mais leves quando a pessoa é infectada pelo vírus.
Além disso, a variante predominante, a Ômicron, é menos agressiva que as mutações anteriores, com uma série de estudos mostrando que a cepa causa menos danos aos pulmões por ser mais infecciosa na parte superior do sistema respiratório.
Ainda assim, por mais que essa realidade leve a uma situação de mais segurança em relação à severidade da doença, os especialistas reforçam a importância de se testar em caso de sintomas ou de contato com pessoas infectadas, além de manter o calendário vacinal em dia.
'É muito importante acelerar a vacinação de crianças pequenas e aplicar a quarta dose em idosos e imunossuprimidos, esse é o principal hoje. Porque a medida mais importante é a vacinação, quem morre por Covid-19 ainda é majoritariamente pessoas sem o ciclo vacinal completo', reforça Raskin.
Entre no canal do Último Segundo no Telegram e veja as principais notícias do dia no Brasil e no Mundo.