Os chamados Erros Inatos da Imunidade (EII) são defeitos genéticos em algum setor do sistema imunológico que podem gerar infecções comuns de forma recorrente, alergias graves, doenças autoimunes e até mesmo câncer . Um levantamento realizado pela Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (ASBAI) mostra que 70% a 90% dos pacientes ainda não foram diagnosticados com a condição, além de também haver subnotificação de casos. De acordo com a associação, apenas duas mil pessoas com EII no Brasil constam no registro da Sociedade Latino-americana de Imunodeficiências.
Mais de 400 doenças fazem parte do grupo dos Erros Inatos da Imunidade, mas o desconhecimento de muitos médicos ao redor do mundo cria uma barreira para que os pacientes sejam diagnosticados precocemente.
Em entrevista ao iG , a Dra. Ekaterini Simões Goudouris, coordenadora do Departamento Científico de Imunodeficiências da ASBAI destacou a importância de um diagnóstico precoce para prevenir manifestações clínicas, tratá-las antes que surjam muitas sequelas e, nos casos mais graves, evitar a morte.
De acordo com a especialista, mais da metade das doenças que se enquadram nos EII são defeitos na produção dos anticorpos, o que é relativamente simples de ser dosado. Outras imunodeficiências, no entanto, só podem ser identificadas com diagnóstico genético. "No Brasil, temos uma limitação muito grande de acesso, tanto pelo Sistema Único de Saúde (SUS) como pelos convênios, a esse tipo de exame", explica a médica.
Além disso, a inclusão dos exames de TREC e KREC no Teste do Pezinho Ampliado — realizado entre o terceiro e quinto dia de vida do bebê — tem se mostrado um dos grandes aliados dos imunologistas para diagnosticar e tratar precocemente algumas das doenças mais graves dentre os EII.
Essas doenças são geneticamente determinadas, mas algumas dessas alterações genéticas acontecem ainda na concepção, ou até depois, no meio da proliferação celular. "Elas não necessariamente são hereditárias, às vezes você não tem história na família, mas pode ser que sim", comenta a coordenadora da ASBAI. "Essas doenças genéticas podem ser transmissíveis ou não, mas elas nem sempre são herdadas."
Quando desconfiar dos EII?
Em crianças
"A maioria dos erros inatos da imunidade são defeitos na produção de anticorpos. Os outros, são defeitos variados em outros locais do sistema imune. Então, dependendo do setor do sistema imune afetado, temos um tipo de manifestação diferente", explica Goudouris. "Mas, sem dúvida nenhuma, as infecções são as manifestações mais frequentes dos Erros Inatos da Imunidade."
Em crianças, infecções que sejam muito repetidas, como ter duas pneumonias ao ano, por exemplo, é um sinal que pode levantar essa suspeita. Sintomas como alteração do crescimento, dificuldade de ganho de peso, diarreia crônica também devem chamar a atenção em crianças pequenas, principalmente.
"Então são várias infecções diferentes, mas basicamente que sejam infecções repetidas e/ou graves que necessitem do uso de antibiótico venoso para serem tratadas ou ocasionadas por alguns micro-organismos que não são comuns."
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Segundo a Fundação Jeffrey Modell de imunodeficiência, os sinais abaixo também devem servir de alerta para os responsáveis:
- Quatro ou mais novas otites em um ano;
- Duas ou mais sinusites graves em um ano;
- Dois ou mais meses em uso de antibióticos, com pouco efeito;
- Duas ou mais pneumonias em um ano;
- Dificuldade para ganhar peso ou crescer normalmente;
- Infecções cutâneas recorrentes, profundas ou abscessos profundos;
- Candidíase persistente em cavidade bucal ou infecção fúngica cutânea persistente;
- Necessidade de antibioticoterapia venosa para tratar infecções;
- Duas ou mais infecções generalizadas incluindo septicemia;
- História familiar de imunodeficiência primária.
Em adultos
A maioria das imunodeficiências se manifesta em crianças, mas também é possível identificá-las já na fase adulta. De acordo com a Dra. Ekaterini Goudouris, o processo para desconfiar dos sintomas é parecido, a diferença é que uma doença autoimune não chama tanto a atenção em um adulto.
Nesse caso, se a pessoa tiver uma doença autoimune associada a uma infecção ou a outra doença autoimune, por exemplo, é um sinal para se atentar. "Uma doença autoimune que seja resistente a tratamento também deve se desconfiar de EII em um adulto", afirma Goudouris.
"Infecções repetidas, graves ou por germes estranhos associadas à autoimunidade, uma autoimunidade associada à outra ou linfoma recorrente, por exemplo. Esse grupo de sintomas associados, de difícil tratamento, faz sugerir que seja um Erro Inato da Imunidade", diz a especialista.
Como tratar? Tem cura?
A maior parte dos Erros Inatos da Imunidade não tem cura, segundo a Dra. Ekaterini Goudouris. "A cura que conhecemos para boa parte deles — mas não são todas as doenças que têm essa indicação — é o transplante de medula óssea."
As outras doenças, de acordo com ela, podem ser tratadas com antibióticos preventivos, com o uso de imunoglobulina. "Mais ou menos 70%, 75% dos Erros Inatos da Imunidade dessas mais de 400 doenças são tratados com reposição de imunoglobulina humana", diz a médica.
"Por isso ficamos tão preocupados quando está em falta, quando o governo não compra ou quando existe uma queda na produção, como aconteceu agora, por conta da pandemia de Covid-19. São pacientes que precisam dessa imunoglobulina para se manterem saudáveis e sem infecções que ameacem as suas vidas."