A última temporada da série Stranger Things, que chegou ao fim no início deste mês, deixou uma legião de fãs viciados na música ‘Running Up That Hill’, da cantora britânica Kate Bush. Isso porque a canção é a responsável por despertar a personagem Max Mayfield do “transe” mental criado pelo vilão Vecna.
A explicação da série da Netflix para o feito é de que a música favorita seria capaz de alcançar partes específicas do cérebro. Agora, um novo estudo conduzido por pesquisadores da Universidade de Northeastern, nos Estados Unidos, descobriu que a lógica mostrada nas telas pode não ser tão fictícia assim.
Publicado no periódico Scientific Reports, o trabalho envolveu uma equipe multidisciplinar de musicoterapeutas, neurologistas e psiquiatras geriátricos, que tinha como objetivo entender por que pessoas mais velhas, muitas com problemas de memória, conseguiam relembrar trechos de músicas quase de forma inconsciente.
A conclusão foi que, ao ouvir músicas de que gostavam, o som ativa um canal direto entre o sistema auditivo do cérebro e o córtex pré-frontal medial, região que faz parte do centro de recompensa da mente, ligada à motivação. A área é uma das que perdem atividade funcional entre os mais idosos, especialmente aqueles com demência, o que leva aos problemas com memórias, explicam os pesquisadores.
“Há algo na música que é essa conectividade funcional entre o sistema auditivo e de recompensa, e é por isso que a música é tão especial e capaz de explorar essas funções cognitivas aparentemente muito gerais que de repente estão muito envolvidas em pessoas que estão ouvindo música”, explica a autora do estudo Psyche Loui, diretora do Laboratório de Imagem Musical e Dinâmica Neural da universidade, em comunicado.
Além disso, os cientistas observaram que as músicas que apresentavam uma familiaridade maior com o ouvinte ativaram de forma mais intensa a conectividade entre as áreas auditivas e de recompensa do cérebro. Quando as canções eram escolhidas pelos participantes, como na série Stranger Things, a conexão foi ainda mais forte.
Experimento envolveu imagens cerebrais
Psyche Loui, que também é neurocientista e musicista, contou que teve a ideia para desenvolver a pesquisa ao se apresentar num asilo para idosos e perceber que pessoas que muitas vezes não conseguiam terminar uma frase ou um pensamento, de repente estavam cantando letras completas de músicas durante a performance.
Para entender melhor esse fenômeno, o estudo envolveu um grupo de idosos entre 54 e 89 anos que passaram por uma intervenção musical por oito semanas. Durante uma hora de cada dia, eles ouviam listas de músicas altamente personalizadas, que incluíam uma combinação de obras selecionadas pelos próprios participantes e outras com uma mistura de peças clássicas, músicas pop e rock. As canções foram classificadas previamente de acordo com o quanto cada voluntário relatava gostar dela e ter familiaridade.
A equipe utilizou uma máquina de ressonância magnética cerebral para escanear os cérebros dos participantes antes e depois de cada sessão em que ouviam as músicas. Ao fim, analisando as imagens dos cérebros, os pesquisadores constataram a ativação da conectividade entre o sistema auditivo e o centro de recompensa.
Segundo os responsáveis, esse é um dos primeiros estudos a documentar as mudanças neurológicas da exposição prolongada à intervenção baseada na música, uma área que tem ganhado cada vez destaque nas pesquisas científicas.