Nesta quinta-feira (22), o Ministério da Saúde informou que o Brasil superou a marca de 2 milhões de casos de dengue em 2024. De acordo com a pasta, são 2.010.896 casos prováveis da doença, com 682 mortes registradas e 1042 em investigação.
O número de casos de dengue em 2024 no país já é recorde na série histórica oficial, com o maior número de casos da doença já registrados no Brasil em um mesmo ano. Até agora, 2015 havia sido o pior ano com 1.688.688 casos.
O ano de 2024 somou mais um fator à crise sem precedentes da dengue: as mudanças climáticas. Dois mil e vinte e três foi considerado o mais quente da história do planeta, o que levou a um desequilíbrio das temperaturas e do volume de chuvas. Com isso, criou-se um ambiente ainda mais propício para a proliferação do mosquito transmissor da doença, uma vez que ele precisa de água parada para se reproduzir — seja ela limpa ou suja. E esses criadouros são encontrados, sobretudo, dentro dos domicílios — cerca de 75%, segundo a ministra da Saúde, Nísia Trindade.
É o que concluiu o estudo realizado por pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz): o aumento da incidência da dengue em regiões que antes eram pouco afetadas pela doença está diretamente ligado às frequentes ondas de calor provocadas pelas mudanças ambientais, bem como à crescente ocupação humana de áreas desmatadas.
No entanto, além das condições climáticas favoráveis, como as chuvas que contribuem para a proliferação do mosquito, as falhas estruturais e desigualdades socioeconômicas também são um prato cheio para a doença se espalhar de forma desproporcional.
Para além do clima: a desigualdade social como motor de propagação da dengue
Embora seja verdade que a dengue afeta todas as camadas da população, sem distinção de classe, suas consequências são mais severas para as comunidades historicamente marginalizadas, que sofrem com condições de vida precárias e têm acesso restrito aos recursos de saúde.
O Brasil é um país desigual: 46,2% das moradias têm algum tipo de privação ao saneamento básico, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Além disso, dos 49 milhões de brasileiros que vivem em lares sem tratamento de esgoto adequado, 68,6% são pretos e pardos.
Dessa forma, a epidemia da dengue demonstra relação direta com um fenômeno conhecido como racismo ambiental. Criado em 1981 pelo ativista afro-americano Dr. Benjamin Franklin Chavis Jr., o termo surgiu a partir das análises do líder acerca da relação entre as irregularidades ambientais e a população negra estadunidense.
De forma resumida, o racismo ambiental é uma forma de desigualdade socioambiental que afeta, sobretudo, as comunidades marginalizadas. Devido à poluição e à falta de estrutura para o descarte correto de lixo, para o tratamento de água e saneamento básico, por exemplo, esses grupos se tornam ainda mais vulneráveis a desastres e a doenças, como a dengue.
“Essas comunidades sofrem os impactos negativos da degradação ambiental e da falta de acesso a recursos naturais e serviços ambientais, enquanto as populações mais privilegiadas usufruem de uma maior proteção ambiental e melhores condições de vida”, diz um artigo publicado em 2023 pelo Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz.
E a Organização das Nações Unidas (ONU) já criou dois termos para definir as consequências desse sistema desigual: “apartheid climático” e “gentrificação climática”. O primeiro diz respeito à forma desproporcional como os grupos marginalizados são afetados pelas mudanças climáticas. O segundo, por sua vez, diz respeito à concentração de classes mais ricas em áreas mais verdes e menos suscetíveis a desastres, após a expulsão ou marginalização dos grupos originais e vulneráveis.
Com isso, se não for prevenida antes do seu ápice — previsto para os mês de abril e maio, quando as chuvas devem ser mais intensas — a crise da dengue pode trazer ainda mais problemas para a população periférica.
Ainda não há estudos do ano de 2024 sobre a incidência da doença em áreas marginalizadas. Porém, é possível esboçar um panorama com um estudo realizado em 2023 pela Fiocruz em Pernambuco, que revelou que pessoas de bairros pobres tinham até três vezes mais chances de serem infectadas pelo vírus que moradores de bairros ricos.
Vacina: esperança insuficiente
Mesmo que a vacina contra a dengue represente uma esperança no combate à dengue, não é possível dizer que essa batalha esteja totalmente ‘vencida’.
Antes de iniciarem as imunizações — que tiveram e ainda têm alcance limitado no Sistema Único de Saúde (SUS) —, a própria ministra da Saúde, Nísia Trindade, disse que o governo federal "não pode vender a ilusão" de que há doses suficientes contra a dengue capaz de suprimir a epidemia que ocorre no Brasil.
Desde o início do esquema de vacinação, foram distribuídas mais de 1,2 milhão de doses da vacina, com 250 mil doses aplicadas na rede pública de saúde. A prioridade é vacinar crianças entre 10 e 14 anos que estejam em áreas onde a incidência do vírus é mais alta — como as cidades que decretaram estado de emergência.
Espera-se que, até o fim deste ano, a vacinação com a Qdenga, nome comercial do imunizante encomendado pela Saúde, seja ampliada para adolescentes de 12,13 e 14 anos que moram nos 521 municípios. Dessa forma, a expectativa atual é de que menos da metade da população seja vacinada.
"Vacina é um instrumento importantíssimo, mas não é único. Estamos recomendando as estratégias de controle. (...) o controle dos vetores é importantíssimo", disse Nísia Trindade, referindo-se aos mosquitos transmissores, que se proliferam na água parada.
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