Pouco antes de ser intubada, uma paciente de 30 anos fez um apelo. "Não me deixa morrer", disse a mulher, que desenvolveu complicações graves em decorrência da covid-19.
O médico Iago Polo, de 27 anos, acompanhava o procedimento e ficou comovido com a situação. O pedido da paciente se tornou uma das cenas mais tristes que o profissional de saúde, formado há um ano, presenciou desde o início da pandemia de covid-19.
No sábado (05/12), Polo escreveu sobre o apelo da mulher para permanecer viva. "Acho que depois de ouvir isso, a gente leva essas palavras para sempre com a gente", publicou o médico em seu perfil no Twitter.
O post dele viralizou. Até a manhã da terça-feira (08/12), havia mais de 78 mil curtidas em sua publicação.
Para Polo, o caso da paciente intubada é um alerta sobre a atual situação do novo coronavírus no país, que teve aumento de registros de infecções nas últimas semanas, após meses de queda.
De acordo com o Ministério da Saúde, o Brasil já registrou, até esta quarta-feira (09/12), 178,1 mil mortes por covid-19 e 6,6 milhões de casos confirmados.
Iago considera que o fato de a paciente ter 30 anos ilustra que os casos mais graves da doença não se restringem aos mais velhos, como muitos acreditam. "Há muitos jovens no Twitter. Acho que muitos se assustaram ao ver um médico dizendo que cuidou de uma paciente jovem com a covid-19 em estado grave", relata à BBC News Brasil.
O pedido da paciente
Polo trabalha em alas destinadas a pacientes com a covid-19 em dois hospitais públicos da região metropolitana de São Paulo. Ele conta que a mulher de 30 anos foi a mais jovem que atendeu com complicações graves pelo coronavírus.
Internada, ela chegou a usar uma máscara de oxigênio para tentar elevar a saturação do oxigênio em seu sangue. Porém, a medida se mostrou insuficiente.
A princípio, a paciente não quis ser intubada. "Explicamos a ela que postergar poderia piorar ainda mais a situação", diz o médico.
O procedimento de intubação é temido porque é considerado altamente invasivo. Os médicos inserem um tubo pela boca do paciente, que está sedado, até a traqueia para manter uma via até o pulmão e garantir a respiração.
"A paciente estava muito ansiosa e com um medo natural. Quando a gente não conseguiu mais postergar a intubação, não houve mais alternativas", relata Polo. Cada vez mais fraca e com mais dificuldades para respirar, a paciente concordou em ser intubada no último sábado, após dois dias adiando o procedimento.
"Os pacientes que não querem ser intubados a princípio, acabam processando a situação e entendendo que é a melhor alternativa", diz o médico.
Antes da intubação, Iago conversou com a paciente. "Ela chorou muito e desabafou que não queria morrer", relembra.
Ela é considerada paciente de risco para a covid-19 por ser obesa e ter diabetes e hipertensão — fatores que podem agravar o quadro da pessoa infectada pelo coronavírus.
Enquanto acompanhava o desespero da paciente antes da intubação, Polo conta que tentou confortá-la. "Nesses momentos, buscamos dar segurança ao paciente e mostrar que estamos ao lado dele. Estamos ali para dar conforto", diz o médico.
Ele conta que pegou na mão dela e disse que aquela situação passaria. "A gente acaba prometendo algumas coisas que não consegue cumprir", lamenta.
Um outro médico foi o responsável por intubar a paciente. "Mas eu estava ao lado dele o tempo todo. Geralmente quem faz o procedimento é um médico mais experiente e um outro fica perto para auxiliar, se necessário", explica Iago.
A paciente permanece intubada na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Até o momento, não apresentou melhora significativa.
Pacientes mais jovens
O caso da mulher mexeu com Tiago por se tratar de uma paciente com idade próxima à dele. "Me vi um pouco ali na situação dela, por estarmos na mesma faixa etária. Por vezes, existe o senso de que os mais jovens não serão tão afetados pela covid-19, mas isso não é verdade", diz o médico.
"Mesmo sendo jovem e ainda que não tenha comorbidades, o paciente pode desenvolver um quadro grave da doença", desabafa.
Para Iago, muitos jovens passaram a ignorar os riscos da covid-19 e começaram a participar de aglomerações frequentes. Nas últimas semanas, ele percebeu um aumento de infecções entre pacientes mais novos.
Uma das características dos novos casos da doença no país, segundo levantamentos sobre o tema, é que os jovens estão se infectando mais.
Os registros apontam que a faixa de 20 a 29 anos foi a que mais cresceu proporcionalmente entre os infectados pela covid-19 nos últimos meses.
Um levantamento da Rede Análise Covid-19, divulgado pelo jornal O Globo, apontou que em maio, quando os casos tiveram um grande crescimento no país, as pessoas de 15 a 29 anos correspondiam a 13,5% dos diagnósticos do novo coronavírus. Já em novembro, segundo dados apurados até o último dia 23, a faixa etária saltou para 20,5% dos registros.
Conforme a apuração da rede, que reúne pesquisadores voluntários de todo o país, os casos tiveram um leve crescimento entre as pessoas de 30 a 39 anos. Em maio, essa faixa correspondia a 24,62% dos diagnosticados. Em novembro subiu para 24,68%.
Na faixa etária de 40 anos para cima, houve tendência de queda nas proporções de infectados pela covid-19 no comparativo entre maio e novembro, conforme o levantamento divulgado pelo O Globo.
O relato nas redes
Polo afirma que publicou sobre a paciente em seu perfil no Twitter como forma de alerta para outras pessoas e para desabafar sobre a situação que havia vivenciado.
"É muito triste ver uma paciente naquela situação. As pessoas que são intubadas têm objetivos, sonhos, mas tudo muda abruptamente e elas se veem ali naquela cama. Os médicos ou enfermeiros que estão na linha de frente da covid-19 tentam dar esperanças para aquela pessoa, mas é uma situação difícil", relata.
O médico comenta que não esperava que a publicação viralizasse. Além das curtidas, foram mais de 4 mil compartilhamentos no Twitter. Agora, ele espera que a história da paciente sirva para que outras pessoas passem a se cuidar mais.
"Precisamos aguardar a chegada de uma vacina para combater a covid-19 no Brasil. Não existe nenhum medicamento para o coronavírus. Então, não há dúvidas de que as principais armas neste momento são o distanciamento social, o uso de máscara e o isolamento para casos suspeitos ou confirmados", pontua o médico.