Vacinas contra a Covid-19
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Vacinas contra a Covid-19

No início deste mês, a Câmara dos Deputados aprovou o  Projeto de Lei 948/21, que permite a compra de vacinas contra a Covid-19 pelo setor privado, desde que seja feita a doação na mesma quantidade ao Sistema Único de Saúde (SUS). O projeto será enviado ao Senado e precisará de sanção presidencial.

Para o médico José Medina, integrante do Centro de Contingência do Covid-19 de São Paulo, caso o projeto seja aprovado e posto em prática, poderá faltar vacina para o grupo prioritário do Plano Nacional de Imunização (PNI).

"Se as empresas privadas começam a comprar esses imunizantes, como ainda estão em falta no mercado, naturalmente, isso vai beneficiar quem tem mais poder econômico e emprego formal, por exemplo. Cria-se uma distorção social", opinou o especialista.

Medina explica que o grupo com maior risco de complicações pela Covid-19 são as pessoas com mais de 50 anos e as com comorbidades, como diabetes e problemas cardíacos. "Eu entendo que toda vacina deve ser destinada à vacinação dessas pessoas primeiro, sem interferência da condição social ou de vínculo empregatício", afirmou.

Na estimativa do Ministério da Saúde, o grupo prioritário tem cerca de 80 milhões de brasileiros. Por isso, são necessárias 140 milhões de doses para que todos fossem contemplados com as duas aplicações da vacina. Até o dia 14 de abril, as duas doses já foram aplicadas em 8.121.842 pessoas (3,84% da população do país) em todos os estados e no Distrito Federal.

"Projeto sem relevância"

A epidemiologista Ethel Maciel, professora da Universidade Federal do Espírito Santo, diz ser "totalmente contrária a venda de vacinas e distribuição que não seja pelo governo", no momento atual da pandemia no Brasil.

"Quem tem que garantir a vacinação é o estado brasileiro. A falta de imunizantes no mercado é um problema e é importante lembrar que essas vacinas só foram desenvolvidas com essa rapidez porque houve um investimento muito alto de fundos públicos de governos", destacou a epidemiologista, ao relembrar que os principais fabricantes de vacina já terem dito publicamente que não irão negociar com a iniciativa privada, neste momento.

Ela acrescentou ainda que não há "relevância no fato das empresas vacinarem os seus funcionários". "O nosso problema não é a aplicação dos imunizantes, mas sim a falta de doses no país. Então, todos os imunizantes precisam ser administrados pelo PNI, já que a saúde é um direito de todos".

A vice-diretora geral da área de Medicamentos, Vacinas e Produtos Farmacêuticos da Organização Mundial da Saúde (OMS), Mariângela Simão, também garantiu, em entrevista à CNN, que a entidade é contrária a compra de vacinas pela iniciativa privada, para que não haja um "desequilíbrio" na vacinação dos brasileiros.

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O que diz o autor do projeto

Por 317 votos favoráveis a 120 contra, o texto-base do PL libera para a iniciativa privada a compra de doses para imunização gratuita dos funcionários, desde que algumas regras sejam cumpridas. A aquisição das vacinas, segundo o texto, poderá ser feita pelas pessoas jurídicas de direito privado, individualmente ou em consórcio.

Os empresários poderão comprar vacinas que ainda não tiveram aval da Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa), desde que autorizadas por agências reconhecidas pela Organização Mundial de Saúde (OMS). 

O texto prevê que a vacinação dos empregados deve seguir os critérios de prioridade estabelecidos no Programa Nacional de Imunizações (PNI). A medida também autoriza que trabalhadores prestadores de serviço sejam beneficiados com a vacinação, inclusive estagiários, autônomos e empregados de empresas de trabalho temporário ou de terceirizadas.

Em entrevista exclusiva ao iG, o autor da proposta, o deputado Hildo Rocha (MDB-MA), defendeu que outros países também já se articularam com a iniciativa privada para acelerar a vacinação, como o México, a Índia e a Indonésia. "A gente sabe da burocracia enfrentada pelo poder público na aquisição de qualquer produto, a iniciativa privada compra muito mais rápido, só quem sabe é quem já trabalhou no setor", disse o deputado.

Questionado se essa medida pode atrapalhar a imunização do Brasil, Hildo Rocha destacou que não há nenhuma relação com imunização do país. "Isso não interfere em nada na vacinação feita pelo SUS, por exemplo, o Brasil já contratou 560 milhões de vacinas e não são essas que a iniciativa privada vai adquirir, serão outras", disse o deputado.

"Hoje temos uma grande quantidade de laboratórios produzindo vacinas, são muitos imunizantes certificados e o Brasil só negocia com seis, ou seja, tem outros que estão aí sem nenhuma negociação com o governo federal, e as empresas podem acertar com eles o fornecimento. Além disso, mais de 60 tipos de vacinas estão nas fases finais, serão muitas opções", afirmou o parlamentar, ao justificar que o projeto não permite que os produtores que já tem acordo com o Ministério da Saúde forneçam doses à iniciativa privada antes de finalizar seu contrato com o SUS.

Segundo o Ministério da Saúde, 562 milhões de doses já foram adquiridas de seis fabricantes distintos, porém, o prazo para a chegada é até o fim deste ano. "Claro que não dispomos dessas doses [560 milhões] no estoque do ministério, até porque há carência de vacinas no mercado internacional", afirmou o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, no último dia 31 de março.

De acordo com dados do Tracking Coronavirus Vaccinations Around the World, do New York Times, até o dia 13 de abril, apenas 12 vacinas estão sendo aplicadas em todo mundo. São elas: Pfizer/BioNTech, Moderna, Gamaleya (Sputnik V), Oxford-AstraZeneca, CanSino, Johnson & Johnson, Vector Institute, Novavax, Sinopharm, Sinovac, Sinopharm-Wuhan e Bharat Biotech.

Dessas, o Brasil já assinou contrato com seis, mas sinalizou interesse em todas da lista.

Veja as contratadas:

Cronograma de entrega de vacinas contra a Covid-19 apresentado pelo Ministério da Saúde
Foto: Reprodução/Ministério da Saúde
Cronograma de entrega de vacinas contra a Covid-19 apresentado pelo Ministério da Saúde






Uso sem autorização da Anvisa

Um ponto polêmico do PL é a autorização de compra pelas empresas, mesmo que o imunizante não seja aprovado pela Anvisa. "Se uma autoridade sanitária de outro país já certificou a vacina, não há necessidade nenhuma de ser certificada de novo pela Anvisa. Será que a gente não pode confiar nas outras agências do mundo? Quer dizer que não prestam?", questionou.

Ele garantiu ainda que caso a doação não possa ser feita ao SUS, já que o governo federal só poderá vacinar os brasileiros com vacinas certificadas nacionalmente, "pode ser doado o dinheiro, em vez do insumo, isso está em aberto, deve ser decidido da regulamentação do projeto", pontuou. 

A expectativa de Hildo Rocha é que o projeto será aprovado quanto antes no Senado e sancionado pelo presidente. "A cada dia estão morrendo mais de três mil pessoas, muitos desses são trabalhadores. A gente vai deixar esse povo morrendo sem fazer nada?", indagou.

O deputado cita a vacina da gripe como exemplo. "Podemos contar com o outro braço da sociedade, a iniciativa privada, como acontece com a vacina da gripe. São muitas vidas perdidas. Fora as outras que estão doentes e vão ter sequelas, eu mesmo tive Covid e estou com sequelas. São pessoas que vão acabar dando prejuízo para a nação brasileira por terem que se tratar no SUS, no caso de quem não tem dinheiro", disse.

Anvisa e Fiocruz 

Segundo o Ministério da Saúde, 562 milhões de doses já foram adquiridas de seis fabricantes distintos
Foto: Pixabay/Creative Commons
Segundo o Ministério da Saúde, 562 milhões de doses já foram adquiridas de seis fabricantes distintos

A Anvisa e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) não são favoráveis ao PL. Em uma reunião da Comissão Temporária da Covid-19 (CTCovid-19), a presidente da Fiocruz, Nísia Trindade, pediu respeito às prioridades definidas pelo Ministério da Saúde para a campanha de vacinação.

"Eu creio que esse caminho da compra de vacinas para uso nos próprios funcionários não é um caminho adequado por razões, inclusive, epidemiológicas e sanitárias. O Programa Nacional de Imunizações definiu uma ordem de prioridades, e é muito importante que ela seja seguida" disse Trindade.

Já o diretor-presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres destacou a escassez de oferta de vacinas no mundo. "A oferta das vacinas hoje é extremamente reduzida, e o SUS é um grande comprador e um grande vacinador. Então, se o SUS compra, se o SUS vacina, haveria realmente a necessidade ou haveria um advento positivo de que outros atores que não o SUS assim o fizessem? Diante de uma oferta ampla, eu penso que até haveria algo positivo, mas a oferta é tudo menos ampla: é uma oferta restrita, é uma oferta de monta restrita", defendeu.


Qual seria o melhor momento?

Ainda de acordo com o médico José Medina, o ideal é que a compra e distribuição de vacinas pelo setor privado só seja autorizada após a imunização do grupo de risco. "Esse seria um melhor momento", diz o médico.

Ethel discorda e acredita que essa negociação precisa esperar pelo fim da pandemia no Brasil. "Quando o cenário tiver controlado, não vejo problema nessa comercialização feita pelo setor privado, antes não é ético e nem correto".

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