SÃO PAULO - Os anticorpos, moléculas de defesa do sistema imune, estimulados pela vacina CoronaVac enfrentam maior dificuldade para neutralizar a variante Gama do novo coronavírus (originária do Brasil). A conclusão é de um estudo publicado hoje sob liderança do microbiologista José Módena, da Unicamp, que comparou a resposta imune à Gama com a apresentada contra a cepa original do patógeno surgida na China.
Em artigo publicado na revista médica Lancet Microbe, o cientista mostrou em experimentos de laboratório que a Gama (anteriormente conhecida como P.1) requer uma concentração até seis vezes maior de anticorpos de pessoas previamente infectadas pela Covid-19 ou vacinadas com a CoronaVac para neutralização.
Segundo o cientista, isso é um sinal importante de que a Gama mantem uma capacidade de contágio alta mesmo em pessoas vacinadas, mas não significa que a CoronaVac não proteja os vacinados.
— Em hipótese nenhuma estamos dizendo que a vacina não funciona — diz o pesquisador.
— A questão é que a circulação da Gama provavelmente aumenta a chance de as pessoas vacinadas se reinfectarem, e aumenta o intervalo de tempo com que elas possam transmitir vírus para outras pessoas — completa.
Como em estudos de acompanhamento epidemiológico a CoronaVac já se mostrou bastante eficaz contra doença grave e contra morte mesmo no período de circulação da P.1, a principal mensagem do estudo de Módena é a importância de que quem esteja vacinado continue usando máscara e praticando distanciamento social.
Segundo o infectologista Júlio Croda, professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul e da Escola de Saúde Pública de Yale.
— Não podemos fazer uma correlação desse trabalho com os casos graves, hospitalizações e óbitos — diz o pesquisador. Croda coordeno estudo encomendado pela Organização Panamericana de Saúde (Opas) que mostrou a importância da CoronaVac em reduzir a mortalidade por Covid-19 entre idosos.
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Segundo ele, o resultado obtido por Módena se encaixa naquilo visto em seus trabalhos tanto nas conclusões otimista quanto nas preocupantes.
— Um dado interessante no artigo deles para a variante Gama é que a primeira dose da Coronavac não gera nada de anticorpos neutralizantes — diz o infectologista. — Os nossos dados e o dados do Chile mostram a mesma coisa.
O estudo de Módena foi feito usando plasma sanguíneo de pessoas vacinadas ou com histórico prévio de infecção, e observou apenas um dos braços do sistema imune, explica o pesquisador. A produção de anticorpos é uma função importante na defesa do organismo, mas a imunidade celular, que dá conta de sacrificar as células infectadas que servem como fábricas de vírus, também tem seu papel.
Contra os 'sommeliers' de vacina
Segundo o cientista da Unicamp, o resultado do estudo também não implica que a CoronaVac seja pior que outras vacinas no combate à variante Gama.
— Quando começamos a fazer o estudo, na época a gente decidiu fazer com a CoronaVac porque ela era a vacina mais usada no Brasil e era a única oferecida em Campinas na época — conta Módena.
— Quando a gente começou a ter acesso a pessoas vacinadas com AstraZeneca, já existiam estudos do Reino Unido em andamento, que concluíram um esse cenário não é idêntico, porque a variante de preocupação que circulava lá era outra, mos foi parecido com o que a gente viu — diz. — Então não adianta os 'sommeliers' de vacina usarem nosso estudo como justificativa para o que eles fazem, porque isso também pode acontecer com a AstraZeneca, a Pfizer e a Janssen.
Uma versão anterior do estudo da Unicamp, ainda sem revisão independente, chegou a ser publicada em março, e na época já havia provocado esse tipo de dúvida. Módena afirma agora, porém, que a mensagem mais importante que seu trabalho tem para o público geral é a de que quem está vacinado continue a usar máscara e buscar se proteger da exposição ao vírus.
— Os vírus da Gama poderem escapar de parte dos anticorpos abre a possibilidade de que as pessoas vacinadas também possam causar infecção, mais do que com outras variantes originais do Sars-CoV-2 — afirma.
O pesquisador diz que seu estudo também inspira uma necessidade de ampliar os trabalhos de vigilância epidemiológica no país, sequenciando mais amostras de vírus para prevenir a emergência de novas cepas como a Gama.