Hipotireoidismo, asma, micose e infecções fúngicas: sintomas tão diversos não levantaram a suspeita dos pais e de médicos de que dois irmãos de Curitiba (PR) possuíssem uma síndrome rara, ainda que presente desde os primeiros anos de vida. A hipótese só apareceu após os dois garotos, de 8 e 13 anos, contraírem a Covid-19 e desenvolverem a forma grave da doença, com pneumonia e intubação, ao longo de um mês internados, em julho de 2020. Na época ainda não havia vacina disponível.
Como os dois não possuíam comorbidades, a equipe médica passou a suspeitar que causas genéticas que geram falhas na imunidade pudessem explicar a gravidade, incomum para crianças com coronavírus. Após uma série de exames e investigações durante um ano, veio o diagnóstico. É a Síndrome Poliglandular Autoimune tipo 1 (APS1), que desregula o sistema imunológico a partir de defeitos inatos de imunidade.
Nessa condição, autoanticorpos neutralizam interferons do tipo 1, que têm ação antiviral e são essenciais para a resposta imune contra o coronavírus. A ação prejudica o combate ao coronavírus, abrindo a possibilidade para quadros mais graves.
— Quando recebemos o diagnóstico, ficamos com uma mistura de sentimentos, mas aliviados em ter uma resposta para as diferentes infecções que eles tinham desde pequenos. A descoberta dessa síndrome nos deu, de início, um susto, por ser muito rara, e nós tivemos nossos dois filhos contemplados com esse diagnóstico — conta a mãe deles, a professora Graciela Figura, de 34 anos, que já vacinou os dois contra a Covid. — Hoje, estamos mais tranquilos, mas sempre alertas.
Doença rara
Não há estatísticas sobre o número de casos de APS1 no Brasil ou mesmo na América Latina. Para ser considerada doença rara, deve atingir até 65 pessoas a cada 100 mil. Em geral, enfermidades desse tipo são crônicas, progressivas, degenerativas e sem cura. São os casos, por exemplo, da hemofilia e da doença de Crohn.
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Os dois irmãos foram os primeiros identificados com APS1 a partir de um quadro de Covid-19, para a qual a síndrome representa um grupo de risco, mas não uma comorbidade. A síndrome costuma se manifestar durante a infância ou o começo da adolescência e não tem tratamento específico.
— Foram momentos muito difíceis que passamos no hospital com os dois. Dias intermináveis, dolorosos, que doem até ao serem lembrados. Nos primeiros dias, eles não respondiam à medicação e aos procedimentos realizados — continua a mãe.
A descoberta foi possível após estudo do consórcio global COVID Human Genetic Effort, do qual o Instituto de Pesquisa Pelé Pequeno Príncipe, em Curitiba (PR), participa. A pesquisa busca explicar causas genéticas que influenciam no quadro da doença. O caso está publicado no Journal of Clinical Immunology.
— A pesquisa mostra que devemos ficar atentos para a possibilidade de diagnóstico de doenças raras que as pessoas já apresentavam e não haviam sido diagnosticadas e que acabamos descobrindo por estarem relacionadas a uma suscetibilidade maior à Covid-19 — explica a imunologista Carolina Prando, que liderou a investigação do caso dos irmãos.