Rio mantém antecipação mesmo após Fiocruz defender 2ª dose da AstraZeneca em 12 semanas
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Rio mantém antecipação mesmo após Fiocruz defender 2ª dose da AstraZeneca em 12 semanas


Após a Fiocruz emitir um posicionamento em defesa da manutenção do intervalo de três meses entre as doses da vacina da AstraZeneca contra a Covid-19, o secretário estadual de Saúde, Alexandre Chieppe, disse nesta quarta-feira que o governo do Rio de Janeiro não vai voltar atrás em sua decisão de autorizar a antecipação do reforço para até dois meses após a injeção inicial. Anunciada na segunda-feira (12), a  mudança não teve o endosso da capital, que seguirá aplicando a segunda dose da vacina três meses após a primeira. Por outro lado, diferentes municípios da Região Metropolitana já disseram ao GLOBO que vão adiantar a injeção de reforço do imunizante em um mês, conforme a orientação estadual.

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Chieppe argumenta que a medida pode aprimorar a imunidade da população contra a variante delta do coronavírus, considerada a mais transmissível das novas cepas catalogadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Isso porque as doses que serão antecipadas já estão reservadas e aptas à distribuição. Além disso, um estudo recente da revista “Nature”, liderado pelo Instituto Pasteur, da França, apontou que a variante delta resiste mais em indivíduos vacinados apenas com a primeira dose da fórmula da AstraZeneca, mas sucumbe à injeção final. Na pesquisa, o intervalo entre ambas, no entanto, foi de três meses.

"Nesse momento, está mantida a decisão do colegiado de secretários municipais de facultar o uso desse estoque que está lá", disse o secretário ao GLOBO nesta quarta-feira, após a cerimônia de lançamento de um programa de apoio financeiro às maternidades. "Cada município tem autonomia para executar a medida de acordo com o estoque que eles têm informado. Tem município hoje com 45 mil doses paradas em estoque. Esse estoque parado é um problema sob diversos aspectos. Primeiro porque a gente tem a circulação de uma nova variante, porque você precisa imunizar o mais rápido possível as pessoas. Segundo porque você pode ter problema com essas vacinas se elas ficarem armazenadas por muito tempo. Aplicar logo diminui o risco, por isso essa decisão foi tomada."

Caso a iniciativa seja revista no futuro, não será por causa do posicionamento da Fiocruz, disse Chieppe.

"Óbvio que a gente pode rever isso no futuro, mas em função da entrega de novas doses, mas não por causa da nota divulgada", afirmou. "Não pretendemos rever a decisão por causa do posicionamento da Fiocruz. Em termos de expectativa do futuro, nós e a Fiocruz comungamos do mesmo objetivo, que é a ampliação da cobertura da primeira dose (D1). A recomendação do Rio de Janeiro não vai contra essa orientação da Fiocruz de ampliar a D1. Ela vai no sentido de que nós temos D2 armazenadas, paradas nos municípios, que precisam ser utilizadas o mais rápido possível. Obviamente que, no futuro, se houver uma oferta maior de D1, vamos avançar nela e orientar novamente o prazo de três meses. Não há conflito nenhum."

Contrário à proposta, o secretário municipal de Saúde, Daniel Soranz, argumentou nesta terça-feira que a antecipação poderia ocasionar uma perda de eficácia.

"O município tomou a decisão de não antecipar a segunda dose da vacina da AstraZeneca, para manter a eficácia de 80%, justamente contra as novas variantes. A bula da vacina é muito clara: com 12 semanas, temos uma eficácia de 80%. Se a gente reduz isso para oito semanas, a gente vai para 59% de eficácia, então precisamos ter um pouco de cautela nessa situação. Então a gente vai seguir a recomendação inicial do Ministério da Saúde e aquilo que está planejado", disse ele ao GLOBO.

Segundo a bula da vacina, "análises exploratórias mostraram que o aumento da imunogenicidade (ou seja, a capacidade da vacina de gerar anticorpos) foi associado a um intervalo de dose mais longo". Uma pesquisa da Universidade Oxford divulgada no mês passado mostra, inclusive, que a vacina da AstraZeneca atingiu níveis ainda maiores de eficácia com um prazo entre as duas injeções não de oito nem de 12 semanas, mas de 45.

De acordo com a bula do imunizante, o nível médio de eficácia da vacina é de 80% com um intervalo igual ou superior a 12 semanas, 72,3% num intervalo entre 9 e 11 semanas e 59,7% numa janela de 6 a 8 semanas. Essas informações serviram de argumento à SMS para defender a administração do reforço dentro do período de três meses, embora o próprio município conduza um experimento com o intervalo de dois meses em Paquetá, bairro que recebeu imunização em massa em junho.

A SES destaca, contudo, um outro fator levado em conta no documento: o índice de confiança. É o mesmo indicador usado em pesquisas eleitorais para calcular uma margem de erro percentual, por exemplo. Os dados da bula têm um índice de confiança de 95%. Ou seja, embora o nível de precisão seja alto, a eficácia real da vacina pode ser maior ou menor do que a média calculada no estudo.

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No caso do intervalo igual ou maior que 12 semanas, que apresentou eficácia média de 80%, o indicador pode variar entre 65,2% e 88,5%. Em se tratando da janela de 6 a 8 semanas, a eficácia varia de 31,7% a 76,3%. E, finalmente, de 9 a 11 semanas, o intervalo de eficácia vai de 50% a 84,6%. Na visão da SES, isso significa que a perda concreta de eficácia com a antecipação da segunda dose pode ser menor do que o previsto.

"Os estudos feitos pelo fabricante são muito claros em termos de eficácia da vacina e do tempo de aplicação dela. É permitida a aplicação (da segunda dose) a partir de quatro semanas. Eles fizeram cortes com o intervalo de até oito semanas, de oito a 12 e a partir de 12 semanas. As eficácias de oito e 12 semanas são muito semelhantes. Quando a gente avalia inclusive o intervalo de confiança, não há diferença significativa. Entendemos isso, e entendemos que existem outros benefícios atrelados, como a antecipação da proteção plena de quem já tomou a primeira dose contra a nova variante e principalmente porque os estoques estão parados. Se não fosse isso, essa decisão não teria sido tomada agora", disse Chieppe nesta quarta-feira.

Entretanto, o fabricante da vacina, a Fiocruz, saiu em defesa do intervalo de 12 semanas em nota divulgada nesta terça-feira. O instituto alega que o prazo de três meses considera dados que demonstram uma proteção significativa já com a primeira dose e a produção de uma resposta imunológica ainda mais robusta quando aplicado o intervalo maior. E diz que o intervalo está respaldado por evidências científicas e qualquer mudança deve considerar os estudos de efetividade e a disponibilidade de doses.

Até o momento, diz a fundação, a vacina produzida pela Fiocruz tem se demonstrado efetiva na proteção contra as variantes em circulação no país já com a primeira dose.

"Adicionalmente, em relação à variante delta, uma pesquisa da agência de saúde do governo britânico, publicada em junho, aponta que a vacina da AstraZeneca registrou 71% de efetividade após a primeira dose e 92% após a segunda para hospitalizações e casos graves. Os dados são corroborados também por um estudo realizado no Canadá, que apontou efetividade contra hospitalização ou morte, para a variante Delta, após uma dose da vacina da AstraZeneca de 88%", diz o texto.

O instituto escreveu ainda que, neste momento, "reforça as orientações do PNI e da Nota técnica conjunta da Sociedade Brasileira de Imunizações e da Sociedade Brasileira de Pediatria, publicada nesta terça-feira (13/7), quanto à manutenção do intervalo de 12 semanas da vacina Fiocruz-AstraZeneca e permanecerá atuando na vigilância das variantes, bem como na produção de estudos de efetividade da vacina e de evidências científicas que possam continuar a subsidiar a estratégia de imunização no país".

À reportagem, o Ministério da Saúde disse que “acompanha a evolução das diferentes variantes do SARS-CoV-2 no território nacional e está atento a possibilidade de alterações no intervalo recomendado entre doses das vacinas Covid-19 em uso no Brasil. O tema foi, inclusive, discutido amplamente na Câmara Técnica Assessora em Imunizações, em reunião realizada no dia 2 de julho deste ano. O parecer foi a de manutenção deste intervalo”.

Distribuição de doses

O intervalo de 12 semanas é, inclusive, uma das razões por que a Prefeitura do Rio resolveu distribuir como primeira dose os frascos reservados à injeção de reforço da vacina, ao contrário de outras cidades. A estratégia é reconhecida pela Fiocruz. A fundação diz que o regime de três meses “permite ainda acelerar a campanha de vacinação, garantindo a proteção de um maior número de pessoas”.

"Por enquanto, o município continuará usando as vacinas reservadas para o reforço da AstraZeneca como primeira dose. A prioridade é ampliar a cobertura vacinal", diz Soranz.

O governo estadual tem outra visão sobre o assunto. Para Chieppe, não reservar a segunda dose de quem já tomou a primeira é arriscado.

"Os municípios estão com vacinas D2 (segunda dose) paradas, e essas vacinas não podem ser utilizadas como D1, sob risco de não ter a garantia da D2. Isso seria muito mais grave. A possibilidade de usarmos essas vacinas que estão paradas em estoque e, com isso, garantir uma maior imunidade da população, é absolutamente essencial nesse momento", afirmou em entrevista coletiva para o anúncio da antecipação da segunda dose no Palácio Guanabara, nesta terça.

Sobre o assunto, o Ministério da Saúde "reforça que estados, municípios e Distrito Federal sigam à risca o Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19 (PNO) para garantir a segunda dose, e, assim, completar o esquema vacinal".

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