Orçamento sofrerá corte em razão do fim das verbas de emergência
Marcelo Casal/EBC
Orçamento sofrerá corte em razão do fim das verbas de emergência

O Sistema Nacional de Saúde (SUS) vai perder R$ 23 bilhões no orçamento para 2022, devido ao fim das verbas de urgência repassadas para enfrentamento da Covid-19, e, além de ter de atender as inúmeras sequelas deixadas pela doença, poderá ainda ter de assumir tratamentos a pacientes de planos de saúde caso o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decida que as empresas do setor devem pagar apenas procedimentos listados no rol da Agência Nacional de Saúde.

O alerta foi feito nesta quinta-feira pelo promotor Arthur Pinto Filho, da Promotoria de Saúde do Ministério Público de São Paulo, que participa ao lado de mais de 30 entidades médicas e de defesa do cidadão de uma campanha contra a mudança de entendimento do STJ.

"Preservar as empresas de planos de saúde significa jogar ao SUS responsabilidades que não são dele. Os beneficiários que não receberem tratamento adequado irão buscar atendimento no SUS e poderão inclusive ir à Justiça para exigir que sejam feitos", afirma o promotor.

Até 2019 a Justiça entendia que a Lei 9.656, de 1998, obrigava os planos de saúde a oferecer tratamento de enfermidades previstas na Classificação Internacional de Doenças (CID), independentemente do procedimento indicado pelos médicos.

Naquele ano, ao julgar recurso que analisava a recusa de um tratamento de cifoplastia numa paciente com desgaste na coluna vertebral, o ministro Luís Felipe Salomão, da 4ª Turma do STJ, desobrigou a operadora de saúde a arcar com o tratamento indicado pelo médico. Uma das alegações era que o procedimento não fazia parte da lista da ANS. Os ministros da 3ª Turma do STJ adotam postura oposta e afirmam que a lista da ANS é apenas exemplificativa

Na ocasião, o argumento a favor dos planos de saúde é que, ao obrigá-los a adotar procedimentos fora da lista da ANS, estaria sendo colocado em risco o equilíbrio econômico-financeiro do sistema de saúde suplementar.

"Os serviços privados de saúde são de relevância pública e todas as doenças devem ser cobertas. Estamos vendo no caso da Prevent o que significa privilegiar a questão econômica. Os efeitos são devastadores", afirmou a advogada Ana Carolina Navarrete, do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec).

Marun David Cury, diretor de Defesa Profissional da Associação Paulista de Medicina, afirmou que o resultado da mudança de entendimento do STJ será catastrófico para o consumidor.

"Ele vai entrar num hospital com a permissão do plano de saúde e sair de lá com uma dívida imensa a ser paga", diz.

Cury afirma que os lucros das empresas de saúde chegam a 35% do faturamento e que os negócios que vem sendo fechados pelo setor mostram isso. Segundo ele, uma rede de saúde verticalizada chegou a pagar o dobro do que valia uma empresa médica na região de São José do Rio Preto, no interior de São Paulo, o que indica que não há prejuízo nas operações.

"Elas estão tendo lucro e devem bilhões de reais à saúde pública. Todos os transplantes de beneficiários dos planos de saúde são feitos pelo SUS e essas empresas não repassam qualquer valor para o SUS", diz Cury, que afirmou que os custos dos planos de saúde, como a sinistralidade, são uma caixa preta.

Ana Carolina, do Idec, afirma que a taxa de sinistralidade (uso pelos beneficiários) dos planos de saúde caiu de uma média de 80% nos últimos 10 anos para 60% durante a pandemia do coronavírus, devido à queda de procura por tratamentos médicos em geral, e que isso não resultou na redução da mensalidade da maioria dos planos de saúde.

O presidente da Associação Médica Brasileira (AMB), César Eduardo Fernandes, defendeu que seja abolida definitivamente a lista de rol de procedimentos da ANS e seja mantida apenas as doenças previstas na Classificação Internacional de Doenças (CID).

"O paciente não tem ideia do que é o rol da ANS. Ele tem ideia de quais são as doenças e, quando contrata um plano, com 20 ou 30 anos de idade, não sabe qual doença terá aos 60 anos e qual será o tratamento necessário. O compromisso é que as doenças serão tratadas", diz Fernandes.

O presidente da AMB afirma que o rol de procedimentos da ANS é de um "tecnicismo" inatingível para a população.

O que está em discussão no STJ é se o rol da ANS é apenas exemplificativo ou taxativo. Se for considerado taxativo, como quer a 4ª Turma da Corte, as operadoras de planos de saúde pagarão apenas o que estiver descrito nesta lista. As entidades médicas afirmam ser impossível descrever todos os procedimentos médicos existentes para todas as doenças, o que abrirá brecha para que os planos de saúde deixem de oferecer tratamentos necessários para a cura de doenças de seus beneficiários. O julgamento está suspenso devido a um pedido de vista da ministra Nancy Andrighi.

O GLOBO entrou em contato com a Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abrange), que representa os planos de saúde, e aguarda manifestação da entidade.

    Mais Recentes

      Comentários

      Clique aqui e deixe seu comentário!