Cardiologia
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O Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, vinculado à Administração Direta da Secretaria de Estado da Saúde, realizou em fevereiro a primeira cirurgia pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em São Paulo  com o Micra, o menor marca‑passo do mundo e o primeiro sem eletrodos. Referência nacional, o instituto já havia feito mais de 900 implantações de marca‑passos tradicionais em 2024.

O procedimento foi indicado para um paciente de 66 anos, com cardiopatia chagásica, portador de marca‑passo desde 1990, com três cabos fraturados e obstrução do fluxo sanguíneo nos dois membros superiores — um perfil em que o dispositivo sem fios é considerado a opção mais segura.

A cirurgia foi conduzida pela equipe do Dr. Paulo Medeiros, diretor do Serviço de Estimulação Cardíaca Artificial e durou cerca de 1h30. O paciente recebeu alta em menos de 24 horas e a cirurgia foi classificada como excelente.

O que é o Micra?

Lançado no Brasil no fim de 2021 pela Medtronic, o Micra tem cerca de 20 mm de comprimento —  enquanto os modelos tradicionais pesam entre 20g e 30g —  e é implantado diretamente dentro do coração por via femoral, o que dispensa incisões no tórax, geradores subcutâneos e eletrodos, considerados o ponto mais vulnerável dos marca‑passos convencionais por risco de infecção, trombose, fratura ou deslocamento.

Sem fios, o Micra estimula o coração por contato direto, por meio de garras que fixam o dispositivo à parede cardíaca. Na prática, isso reduz complicações mecânicas e infecciosas, acelera a recuperação e preserva o sistema venoso, aspecto crítico para pacientes jovens que precisarão de múltiplas substituições ao longo da vida.

Segundo o Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, mais de 120 implantes já foram realizados no país. No exterior, os procedimentos com o Micra ultrapassam 250 mil casos.

Uma solução consolidada

Em entrevista ao Portal iG, o Dr. Hugo Belloti, Eletrofisiologista e Chefe da Seção de Eletrofisiologia Invasiva de Estimulação Cardíaca Artificial do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, explicou os critérios clínicos que orientam a escolha do Micra. E destaca a vantagem para quem tem trombose ou obstrução de veias da porção superior do tórax, além de pacientes jovens, em que a preservação do leito venoso é estratégica para o futuro.

“A indicação do Micra baseia-se em critérios bem definidos e destinada a um grupo seleto de pacientes. Por ser implantado através da veia femoral (região da virília), ele é indicado sobretudo nos indivíduos que possuem dificuldade de acesso vascular superior devido a trombose ou obstrução de veias subclávia, jugular ou cava superior. O Micra é especialmente relevante em casos de infecção prévia do marca-passo convencional, como endocardite, porque pelo fato de não possuir eletrodos ou gerador subcutâneo, reduz significativamente o risco de novas infecções”.

Sobre os riscos dos sistemas tradicionais, ele foi direto: “Os marcapassos convencionais utilizam eletrodos transvenosos, o que pode levar a complicações como infecções, endocardite, trombose e fraturas. O Micra, por ser totalmente intracardíaco, elimina a necessidade desses cabos e de uma loja subcutânea, reduzindo de maneira significativa esses riscos".


Recuperação 

O procedimento é minimamente invasivo e na maioria dos casos a alta hospitalar ocorre em até 24 horas. Mas ainda assim, “cada caso deve ser avaliado individualmente” , ressalta o especialista. 

O Micra não é indicado para todos os perfis, o aparelho não é adequado para pacientes que necessitam de estimulação atrioventricular sincronizada ou ressincronização biventricular (comum em insuficiência cardíaca avançada), bem como determinadas cardiomiopatias ou anomalias anatômicas.

O que falta para escalar na rede pública?

O custo é hoje o maior entrave para expansão na rede pública. Belloti reconhece que o Micra pode ser de sete a dez vezes mais caro do que um marcapasso convencional, o que exige protocolos rígidos de indicação, negociação com fornecedores e análises de custo‑efetividade.

“A realização destes primeiros procedimentos no Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia foi viabilizada por uma parceria com a Medtronic, fabricante do dispositivo, com o objetivo de ampliar o acesso a essa tecnologia no Brasil. Essa iniciativa serve como um projeto-piloto para demonstrar na prática que o Micra é custo-efetivo, mudando o foco do preço para o valor total que ele entrega ao paciente e ao sistema de saúde” , afirma o profissional.

Entre os desafios para ampliar o acesso no SUS, ele cita: treinamento especializado das equipes, atualização de infraestrutura hospitalar, monitoramento pós‑operatório estruturado e protocolos clínicos claros para direcionar o dispositivo aos pacientes que mais se beneficiarão.

Impacto na saúde pública

A incorporação do Micra pode diminuir o risco de infecções, tempo de internação, reoperações e a longo prazo reduzir custos indiretos — especialmente em casos graves, como infecções associadas a marcapassos com eletrodos, que podem prolongar hospitalizações e demandar múltiplas intervenções. Contudo, o impacto deve ser continuamente avaliado frente ao potencial benefício clínico e ao número de pacientes contemplados.

“A chegada do Micra ao SUS representa um marco em inovação e segurança terapêutica, especialmente no atendimento a pacientes de alto risco infeccioso e que não possuem acesso vascular através da circulação superior” , conclui Belloti.


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