Passaporte da vacina: discussão na internet gera desinformação sobre vacinas
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Passaporte da vacina: discussão na internet gera desinformação sobre vacinas

O chamado  “passaporte da vacina”, medida da Prefeitura do Rio que restringe a circulação de não vacinados contra Covid-19 pela cidade, tem sido objeto de briga política e também de informações enganosas sobre as vacinas contra a Covid-19 desde a última sexta-feira, quando foi  publicado em decreto.

Depois de uma discussão entre o prefeito Eduardo Paes e o vereador Carlos Bolsonaro pelas redes sociais naquele mesmo dia, quem trocou farpas na internet neste domingo foram o secretário municipal de Saúde, Daniel Soranz, e o médico bolsonarista Osmar Terra, deputado federal pelo Rio Grande do Sul.

Na tarde de ontem, Terra publicou em seu Twitter, mencionando o perfil oficial da Prefeitura do Rio, o seguinte questionamento: “A pergunta que não quer calar, para a @Prefeitura_Rio. De que adiantará o passaporte sanitário para a circulação e acesso a serviços na cidade, se o aumento proporcional de doentes e de internação hospitalar é justamente dos que já estão vacinados com 2 doses?!”.

Em resposta, o secretário Daniel Soranz ressaltou a eficácia da vacinação: “Vale a leitura de mais um artigo científico que demostra a eficácia da vacina contra a #COVID19. #VacinasSalvamVidas. Difícil é se calar diante dos seus comentários repetidamente negacionistas”.

No tuíte, Soranz citou uma reportagem do GLOBO que projetava quase 6 mil vidas salvas pela vacina contra a Covid-19 no Estado do Rio de Janeiro, além de um artigo de pesquisadores brasileiros publicado em 21 de agosto que demonstra a efetividade das vacinas CoronaVac e da AstraZeneca na redução de mortes pela doença entre os idosos no país, ainda sem revisão de pares.

A polêmica continuou nas redes. Em réplica a Soranz, Terra disse: “Secretário de Saúde do Rio de Janeiro respondendo que vacinas são eficazes e me taxando de negacionista. Ora, ora, secretário, então os dados da FSP estão errados. A sua informação justifica constranger a população com o passaporte? Comente para nós os dados então…”.

Como argumento, Terra usava, erroneamente, uma reportagem do jornal “Folha de S. Paulo” publicada na semana passada que mostra que as mortes por Covid-19 entre idosos vacinados com as duas doses vêm aumentando no Estado do Rio, reforçando a necessidade de uma terceira dose. Ela seguia a linha de outra matéria publicada pelo GLOBO horas antes, e ambas tinham como fonte o sistema de informações da Subsecretaria de Vigilância em Saúde do Rio de Janeiro, com dados extraídos e filtrados pelos repórteres dos respectivos jornais.

Embora o Rio encare agora uma alta no número de mortes por Covid-19 entre idosos com esquema vacinal completo, como a imprensa mostrou, não confere a afirmação de Terra de que “o aumento proporcional de doentes e de internação hospitalar é justamente dos que já estão vacinados com duas doses”.

O número absoluto de óbitos entre vacinados com as duas doses aumentou, mas os não vacinados continuam correspondendo à grande maioria das mortes por Covid-19 no Rio, de acordo com o mesmo repositório de números usado pelo GLOBO e pela “Folha de S. Paulo” nas matérias mencionadas.

Como o GLOBO mostrou, o número de mortes por Covid-19 entre idosos com o esquema vacinal completo se acentuou no estado nos últimos meses. Em dados atualizados, a alta foi de 82% entre as semanas epidemiológicas 24 (meados de junho) e 30 (fim de julho) — um mês e meio, portanto. Foram 62 mortes na primeira semana, contra 113 na semana mais recente.

Contudo, em comparação com os idosos plenamente imunizados, os idosos sem a segunda dose da vacina tiveram um número de mortes consideravelmente maior em qualquer um dos recortes de tempo disponíveis nas estatísticas.

Na semana epidemiológica 24 (meados de junho), por exemplo, pessoas com 60 anos ou mais sem a segunda dose da vacina representaram 300 das 362 mortes totais por Covid-19 ocorridas entre idosos naquele período — uma proporção de 82%. Na semana 30 (fim de julho), idosos sem a segunda dose foram 214 dos 317 idosos mortos por Covid-19 (65%).

Os dados mostram, inclusive, que a maioria dos idosos mortos por Covid-19 no Rio não tomou sequer a primeira dose da vacina. Na semana epidemiológica 24 (meados de junho), 73% das pessoas com 60 anos ou mais que morreram pela doença no estado não tinham imunização alguma. Na semana 30 (fim de julho), essa proporção foi de 61%, consolidando uma tendência histórica.

Portanto, apesar da perda gradativa da proteção conferida pelas vacinas entre os mais velhos — um processo natural e já anteriormente previsto pelos cientistas na pandemia, a chamada imunossenescência —, números oficiais indicam que o maior fator de internação e morte por Covid-19 entre os idosos atualmente continua sendo a falta de vacina.

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Em resposta a Terra, Soranz publicou uma lista de países que exigem Certificado Internacional de Vacinação contra a febre amarela. “Claro que ninguém é obrigado a se vacinar, mas simplesmente tem a circulação proibida e não consegue nem embarcar”, escreveu o secretário.

Terra retrucou dizendo que a “comparação com a vacina da febre amarela é capenga. A vacina da febre existe há um século, e é altamente eficaz. Metade da dose imuniza para toda vida. A da Covid, na prática é experimental, do contrário não proporiam mais uma e talvez 2 doses para aumentar eficácia!”.

Todas as vacinas disponíveis contra a Covid-19 no mundo tiveram sua segurança e eficácia comprovadas em estudos de larga escala publicados em revistas científicas internacionais.

Os imunizantes usados no Brasil, seja a título de uso emergencial, seja a título de registro permanente, passam por avaliação por parte da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que leva em conta, em suas deliberações, o parecer de outras agências de Saúde Pública internacionais.

A decisão da prefeitura, publicada no Diário Oficial do município da última sexta-feira, de criar a exigência de comprovante de vacinação contra a Covid-19 para a entrada em estabelecimentos e locais de uso coletivo na cidade do Rio, começa a valer na próxima quarta-feira, dia 1º de setembro.

Assim que anunciada, a medida gerou polêmica. O vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos) publicou numa rede social que estudava junto a sua assessoria uma providência contra as novas regras, mas o deputado estadual Alexandre Freitas foi mais rápido.

Ainda na tarde da sexta-feira, o parlamentar protocolou no Tribunal de Justiça do Rio uma representação de inconstitucionalidade contra os três decretos da prefeitura que exigem a apresentação do passaporte da vacina para acessar e permanecer em espaços como cinemas, teatros e academias, entre outros.

A Procuradoria-Geral do Município e a Secretaria municipal de Saúde do Rio informaram ao GLOBO, na manhã desta segunda-feira, que ainda não foram notificadas de nenhuma ação relacionada ao “passaporte da vacina”.

Autor da ação, Freitas foi expulso este mês do Partido Novo por "comportamento antidemocrático", informou a legenda. O Novo entendeu que o deputado ofendeu um dos dirigentes do partido, o secretário nacional de finanças da legenda, Moisés Jardim, ao defender, em uma postagem na internet, a ação da Polícia Civil no Jacarezinho, que resultou na morte de 28 pessoas. "Eu iria comentar esse seu comentário ridículo e alienado, mas aí lembrei que a sua relevância pro mundo real é inexistente", escreveu o deputado.

Pelo decreto, a vacinação a ser comprovada corresponderá a primeira dose, segunda dose ou dose única, variando de acordo com a idade da pessoa e a respectiva data de imunização estipulada no cronograma da cidade. Quem perdeu a data da segunda dose não poderá entrar nos estabelecimentos determinados pelo decreto, mesmo que tenha tomado a primeira dose.

Outros dois decretos também publicados na sexta-feira estabelecem a mesma obrigatoriedade. O morador do Rio deverá estar com a vacinação contra a Covid-19 em dia para poder realizar cirurgias eletivas não emergenciais e para receber o auxílio financeiro por meio do Cartão Família Carioca.

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